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17 janeiro 2011

A história da América e o romance de Zarité


Zarité! Seu dono pode te descobrir fazendo amor pelos cantos com Gambo. Eu sei que ele é um negro tentador e sedutor, mas Valmorain não irá gostar nada de ver sua concubina gastando o sexo com um escravo! Me pego rogando para suas loas, a Papa Bundy, seu Deus africano, para que lhe proteja. E torço o nariz quando vejo você se aproximar de Jesus, enquanto crio alguma consciência sobre o que é o Haiti. Ah, cheguei na última página, mas não te esquecerei tão cedo, Teté!

Em seu livro A Ilha Sob o Mar, Isabel Allende narra a vida da menina nascida escrava Zarité, em um romance histórico instigante e revelador, aos olhos de quem ainda conhece pouco a história da América.

A narrativa começa em 1770, quando o jovem francês Tolousse Valmorain parte para a Ilha de Saint Domingue, onde hoje é o Haiti, para administrar a plantação de cana de açúcar do pai. No enredo, o tráfico negreiro nas Antilhas, a disputa européia pela colonização da América, as revoluções francesa e haitiana, a decadência da monarquia e ascensão da república, os deuses africanos, a mentalidade opressora dos brancos e uma cidade chamada Nova Orleans.

Isabel retrata uma pesquisa histórica fantástica e revela nomes, planos governamentais, estratégias de guerra e costumes da época, costurados pela vida de Teté, que reconhece o brilho intenso de sua z’etoile, mesmo sendo uma escrava cheia de cicatrizes.

A pesar de não tecer uma linha sobre desastres naturais, o livro esclarece em diversos aspectos a sensibilidade do Haiti. Como poderia, um território devastado pela exploração desmedida e posteriormente pelas chamas da revolução, se recuperar em tão pouco tempo para resistir aos terremotos caribenhos? Não poderia.

O Haiti é muito mais do que sabemos, porque nunca interessou aos países centrais contar ao mundo o exemplo revolucionário que brotou das montanhas de pedra dessa ilha, vizinha a Cuba e com tanta história cruzada. Obrigada Isabel, por me abrir os olhos e o coração.

11 janeiro 2011

Cratera do metrô completa 4 anos, sem punições


Fui chamada para fazer um trabalho sobre a cratera do metrô. O trabalho ficou parado nos arquivos, mas na minha memória ficou latente a impunidade. Relatórios técnicos apontam os culpados: o Governo do Estado e as construtoras. Mas até hoje, 4 anos após o acidente, ninguém foi julgado, nenhuma medida foi tomada, e os assassinos de 7 cidadãos seguem livres, alcançando a reeleição e novos contratos milhonários.

Recordar é viver. Assim, segue um texto que resume todas as informações a que tive acesso para realizar um trabalho censurado pelo "ano de eleições em SP":

Às 14:55 de 12 de janeiro de 2007, um buraco de 80 metros de largura e 30 metros de profundidade se abriu no coração de São Paulo engolindo casas, veículos e pessoas. Em questão de minutos, as obras da estação Pinheiros da futura Linha 4 do metrô de São Paulo ruíram. Os funcionários que se encontravam a mais de trinta metros de profundidade nos túneis da construção conseguiram escapar à tempo. No entanto, um motorista da obra e seis cidadãos comuns não tiveram a mesma sorte.

Enquanto o desmoronamento começava, operários pulavam o muro para fugir do canteiro de obras. Um microônibus com parada na Rua Capri, seguiu viagem sem saber o que acontecia no subterrâneo abaixo. Nenhum alerta foi dado. Os operários invadiram as ruas gritando para que as pessoas corressem. Uma nuvem de poeira tomou o lugar e o frentista Israel Domiciano, 28, viu o evento engolir o microônibus que tentava alcançar.

A televisão acompanhou o resgate de corpos, o trabalho dos bombeiros e o desespero de familiares das vítimas. Em meio à confusão, José Serra visitou o canteiro e declarou que “a obra ainda será entregue no prazo estipulado, o primeiro semestre de 2009". Denúncias de problemas anteriores surgem de todos os lugares. Meses antes, os moradores da região já haviam reclamado de rachaduras em suas casas. “Já havíamos levado à justiça denúncias anônimas de operários sobre irregularidades na obra”, fala Flávio Montesinos Godói, ex-presidente Sindicato dos Metroviários.

O caso parece esquecido, mas agora que Geraldo Alckmin garantiu mais quatro anos de governo em São Paulo, deve ter que lidar novamente com as obras do metrô, que sob sua gestão iniciaram o caos dos transportes sobre trilhos paulista. O metrô do futuro, classe A, começou a funcionar em uma área nobre de São Paulo, ligando a Avenida da Consolação a Avenida Faria Lima. Uma inauguração, pré-eleição, de José Serra: Linha 4 Amarela. Mas o candidato à Presidência não conseguiu solucionar os nós do incidente que matou pessoas e que envolve o Governo do Estado e as maiores Construtoras do País.

A Linha 4- Amarela foi concebida sobre um plano de privatização, resultado da primeira e mal sucedida Parceria Público-Privada (PPP) contratada no Brasil , sob o comando do Governo do Estado de São Paulo. A Amarela era pensada desde 1950, mas suas obras somente tiveram início trinta anos depois. O sistema deveria ter começado a atender a população em 2007. E o trecho inaugurado às vésperas das eleições em 2010, funciona com apenas cinco dos 14 trens previstos em contrato. Totalmente pronta, a linha teria 12,8 quilômetros de extensão e 11 estações, ligando a Estação da Luz, no centro da cidade, ao bairro de Vila Sônia, na zona Oeste.

O trabalho completo ficará para 2014. Trinta anos de atraso político para articulação de uma linha com pouco mais de 10 quilômetros não aceleraram o processo construtivo. Depois de seis anos do início da obra o serviço só deverá ser entregue daqui há quatro anos. São menos de 13 quilômetros em 40 anos.

O Governo promete entregar a estação Pinheiros ainda em 2010, antes mesmo de responder à sociedade, por “um dos maiores acidentes urbanos da história da construção civil brasileira.” A frase é do engenheiro Paulo Helene, Professor e Presidente da Associação Latinoamericana de Controle de Qualidade, Patologia e Recuperação de contruções (ALCONPAT Internacional). Mesmo assim, o Estado continua a permitir que o mesmo consórcio de construtoras, responsável direto pelo desabamento e morte de sete pessoas, continue o trabalho.

Até hoje as construtoras não foram julgadas. Em um processo mais acelerado está o criminal, onde onze engenheiros, um geólogo e um gerente de produção estão sendo julgados. Mas o incidente ainda foi investigado pela Promotoria de Patrimônio Público e Social do Ministério Público Estadual. O Promotor Saad Mazloum é o responsável pelo encaminhamento e em 30 de março deste ano acusou o Consórcio Via Amarela por responsabilidade civil pelo desabamento nas obras da Linha 4. Ação Civil Pública pede que os responsáveis pelas obras onde ocorreu o acidente sejam obrigados a pagar indenização por danos morais e materiais que somam R$ 239,8 milhões.

O Ministério Público responsabiliza, com base na lei de Improbidade Administrativa, seis pessoas (Luiz Carlos Frayze David, Marco Antonio Buoncompagno, José Roberto Leite Ribeiro, Cyrio Guimarães Mourão Filho, Jaelson Antonio Sayeg de Siqueira e German Freiberg). Além destes as empresas Consórcio Via Amarela, CBPO Construtora, OAS, Construtora Queiroz Galvão, Construções Camargo Corrêa, Construtora Andrade Gutierrez e Alstom Transport, também são apontadas na ação.

Mazloum investiga corrupção e improbidade e aponta como causa da tragédia a contenção de gastos na execução da obra. À página 5 da petição elaborada pelo promotor registra-se a "ganância" dos acusados. À página 60, acentua: "Tragédia anunciada, incúria, omissão, irresponsabilidade dos agentes do Metrô". À página 66, ele anota que os R$ 238 milhões correspondem a 1,5% das receitas anuais das empreiteiras do consórcio que, segundo seu levantamento, arrecadam R$ 15 bilhões por ano.

À página 29, Mazloum acusa os empreiteiros de "aumentarem os lucros com a redução dos custos". Para ele, "a economia feita, de material, estudos e análises, foi preponderante para o desabamento". Ele sustenta ainda que os empreiteiros, em busca de "ganhos opulentos" são os responsáveis pela cratera de 2,2 mil metros quadrados. Finalizando, o promotor de Justiça, defende que o desabamento aconteceu "com a mais plena omissão e desprezo de agentes do Metrô", colocando a questão sob responsabilidade do Estado. Os R$ 238 milhões foram calculados com base no contrato — R$ 740 milhões — entre o Metrô e o consórcio. Representam cerca de 30% do desse valor.

A ação também pede ressarcimento ao erário do valor do contrato entre o Metrô e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ou R$ 6,5 milhões. O promotor também aponta ato de improbidade por parte do Estado que, segundo ele, está caracterizado na contratação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) - o Metrô contratou o instituto por R$ 5,5 milhões, valor acrescido de R$ 1 milhão a título de aditamento.

Na época em que o IPT foi contratado, José Serra defendeu a contratação de apenas uma instituição para realização da perícia, inteirando a credibilidade do IPT. O Presidente do Instituto era Vahan Agopyan, substituído antes da conclusão do estudo por João Fernando, que ocupa o cargo até hoje. Já o presidente do conselho, já na época da contratação e assinatura dos laudos, era Alberto Goldman, atual Governador de São Paulo, que assumiu a cadeira no lugar de José Serra, derrotado nas eleições presidenciais deste ano.

Provas do crime

Os Autos do Processo 442/07 são conhecidos dos funcionários da 1ª Vara Criminal no Fórum de Pinheiros. Peça tranqüilo um dos volumes do processo e receberá em resposta um desconfiado “por parte de quem”? Se a resposta for Arnaldo Rossepian, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, o dado é checado e se confirmado é possível sentar junto com os funcionários, bisbilhotar o imenso processo encontrar depoimentos como o de Israel, que corria atrás da Van.

O casal, Sebastião e Kátia, assim como Israel, estavam na rua e viram o acidente. Nos depoimentos à polícia, o momento, o estrondo, a rua desabar e o desespero do momento. Os relatos das testemunhas, registrados em Boletins de Ocorrência, dividem espaço com os depoimentos de funcionários do Metrô, engenheiros do Consórcio, Secretários do Governo e da Prefeitura. O processo reúne centenas de pessoas.

Uma página importante é a que aponta que antes do acidente, os engenheiros já tinham sinais claros de que a obra estava em risco e haviam colocado uma série de recalques, vigas de sustentação destinadas a conter o terreno. Na quinta-feira, 11 de janeiro, os engenheiros do Consórcio haviam se reunido. A situação na obra parecia crítica. O solo, que vinha cedendo muito mais do que o esperado desde o início da obra, estava comprometendo a estrutura dos túneis. A solução encontrada foi colocar 270 recalques no túnel ameaçado. No mesmo dia foram abertos os buracos para colocar as vigas, no entanto, na obra só haviam 30 delas. As demais foram encomendadas, porém os trabalhos continuaram sem o reforço necessário.

Os depoimentos ainda apontam que a fiscalização da obra, por parte do Estado, na figura do Metrô, era deficiente. Juristas colaboraram como consultores, esclarecendo a falta de fiscalização: O contrato firmado entre o governo e o Consórcio fazia com que a fiscalização prioritária fosse do próprio Consórcio. Com outro tipo de fiscalização, a obra poderia ter sido parada antes do acidente. O Consórcio receberia um bônus milionário se terminasse a obra antes do prazo.

Outra constatação, apontada por Arnaldo Hossepian Junior, promotor público criminal, esclarece que nas semanas que antecederam o acidente, as obras, na verdade haviam sido aceleradas em 70%, a despeito dos problemas no terreno. E que no dia 12 de janeiro, mesmo sem ter terminado a colocação do reforço do terreno, e tentando acelerar a obra, os encarregados pela construção decidiram iniciar uma fase critica das explosões: os últimos 3 metros que separavam o túnel do metrô do túnel da estação. Essa explosão comprometeu definitivamente o terreno, que cairia horas depois.

Engenheiros e técnicos do IPT não puderam ser consultados pela mídia, por ordem da Secretaria deComunicação do Governo do Estado. No entanto, ainda nas páginas do Processo do Ministério Público, encontram-se depoimentos afirmando a falta de fiscalização por parte do Metrô.
Apenas em junho de 2008, o IPT divulgou suas conclusões sobre o caso. O relatório, descreve em vídeo (assita o vídeo) o acidente e e aponta uma séria de problemas que foram ignorados, como economia na qualidade do material em diversos momentos e uma aceleração vertiginosa dos trabalhos e quantidade de explosões na semana anterior à queda. O acidente completará quatro anos em 12 de janeiro de 2011 e até hoje, nenhum acusado foi julgado.

07 janeiro 2011

Mídia, burguesia e dialética

No começo do segundo grau, começava a se revelar à minha mentalidade ainda infantil a realidade das relações de nossa sociedade. Entre as homéricas brigas com o primeiro namorado e as experimentações de todos os tipos, havia um professor de história, o Alcides, conhecido como Guerreiro.

Lembro do giz escorregando na lousa e dando forma à teoria da Dialética em Espiral. O desenho parecia uma mola em formato de cone, que começava com aros estreitos e terminava com um aro largo e aberto para o que o futuro reserva. O que mais me chocou à época, em palavras curtas e grossas, era que um dia o que estava por cima ficaria por baixo, necessariamente, para fazer girar a roda da história.

Meus colegas de classe hão de concordar que era difícil prestar atenção naqueles momentos, porque todos esperavam o professor terminar as anotações na lousa para vê-lo enfiar o giz no bolso e coçar o pinto, como se ninguém estivesse reparando. Passados os risinhos maliciosos, fiquei olhando para aquele desenho como se aquilo representasse muito mais do que eu poderia processar. E assim foi. Desde então já se passaram uns doze ou treze anos e sempre me recordo da explicação.

Hoje me aprofundo no entendimento da dialética e confirmo a minha sensação de não compreensão da amplitude da explicação do Guerreiro. Tivesse entendido à tempo, não teria feito jornalismo, pensando em trabalhar em um “grande jornal”.

Minha esperança na dialética despontou quando li o seguinte trecho do texto “Os números da Globo: lenta decadência”, escrito por Rodrigo Vianna: “No primeiro governo FHC, Marluce (então diretora geral) tivera duas idéias “brilhantes”: tomar dinheiro emprestado, em dólar, para capitalizar a empresa de TV a cabo do grupo; e centralizar as operações numa “holding”. Ela acreditou nas previsões do Gustavo Franco e da Miriam Leitão, de que o Real valeria um dólar para todo o sempre! Passada a reeleição de FHC, em 98, o Brasil quebrou...” (Íntegra do texto)

Assim, este, que parecia um post melancólico, torna-se um relato de espença, seguindo a lógica de Hegel e da dialética! Se um dia a burguesia dominou a mídia para controlar o acesso à informação e hoje samba para que ela atenda a quem dá mais, há de chegar o futuro, onde essa lógica levará a própria burguesia à falta de informação.

E foram felizes para sempre!

04 janeiro 2011

Henfil: brasileiro, flamenguista e petista


Hoje me lembrei de uma situação que aconteceu, certamente, há mais de 15 anos. Acompanhando minha mãe que escutava um disco de Elis Regina, perguntei quem era o tal do Henfil, que tinha um irmão regresso, ao contrário de tanta gente que partiu no rabo de um foguete.

Minha mãe me explicou quem eram os irmãos e relembrou a passagem de um 4 de janeiro de 1988, quando a parte do País que acreditava na redemocratização e na redução das desigualdades sociais parou diante do noticiário que informava sobre a morte do cartunista Henfil. Seu caixão foi coberto por três bandeiras: a do Brasil, a do Flamengo e a do PT.

Se Henfil nunca tivesse feito a transfusão de sangue que o contaminou com o vírus HIV, hoje estaria comemorando a posse de Dilma Roussef, o avanço do Brasil e com tempo de se preocupar verdadeiramente com o futebol do flamengo.

Tenho pra mim, que a estrela de Lula, a mesma do PT e que agora acompanha Dilma e o Brasil em uma nova fase de evolução, tem seu brilho reforçado por figurinhas como Henfil. Talvez hoje ele redesenhasse o começo de tudo: QUE PAÍS FOI ESTE?