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25 abril 2011

Para Lula, PT deve priorizar ABCD



Foto: Andris Bovo
Entrevista: Karen Marchetti e Júlio Gardesani (pauta@abcdmaior.com.br)

Em entrevista ao ABCD Maior, Lula diz que ministra Miriam Belchior não deve deixar o governo federal para disputar eleição

Um dia após ter participado de uma reunião da direção do PT paulista para discutir as proridades nas eleições municipais de 2012, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu entrevista exclusiva ao ABCD MAIOR e afirmou que o partido deve se empenhar em fortalecer a legenda na Região. Na entrevista, a primeira a um jornal impresso brasileiro após o final de seu mandato, Lula adverte que os petistas de Santo André devem evitar as prévias para definir o candidato a prefeito, nome que deve ser consenso.

ABCD MAIOR - O senhor se dispôs a conversar com os partidos sobre a reforma política. Quais os principais itens da reforma, na sua avaliação?

Luiz Inácio Lula da Silva - Primeiro: a reforma política é importante para dar mais seriedade aos partidos políticos, ainda mais num País que conta com muitos partidos e por isso acabamos sendo obrigados a construir alianças políticas. É importante que as direções partidárias tenham autoridade para fazer as negociações. Não se pode negociar com a direção do partido, e os deputados, prefeitos e vereadores dizerem depois que não fizeram parte dessa negociação. Quando se faz uma negociação com um partido é um tratado que deve ser cumprido. A segunda coisa é o financiamento público de campanha. Muitos acham que o financiamento público vai significar mais impostos. Só que na verdade é o contrário. O financiamento público significará a moralização da política brasileira. Vai acabar com a relação promíscua entre o candidato, o partido e o empresário. Ficará melhor, mais barato, e o Estado garantirá uma determinada quantia por eleitor, distribuídos entre os partidos em função das votações passadas. Mas, em contrapartida, as legendas deverão fazer a lista fechada, a ser votada democraticamente. O que eu penso é que, se o Brasil não fizer esta reforma, nunca acabaremos com a corrupção e, em época de eleição, continuará existindo o caixa dois. O ideal é termos a constituinte para fazer a reforma política, já que os deputados têm o interesse neste debate. De qualquer forma, é o que temos e acredito que o Congresso tem disposição para avançar. Mesmo assim, não deverá haver uma grande reforma, mas, ainda assim, teremos avanços importantes, como por exemplo a votação em lista, onde o eleitor poderá votar numa lista inteira e depois escolher um candidato. Para isso vamos precisar conversar com os partidos políticos, movimentos sindicais e sociais, para que possamos transformar a reforma política numa coisa de interesse nacional.

ABCD MAIOR - Como o senhor citou, alguns pontos são polêmicos, como a votação em lista e financiamento público. Muitos acreditam que o financiamento não acabará com o caixa dois. Qual sua avaliação?

Lula - Veja, se tornarmos proibitiva, a contribuição privada passa a ser crime. O que não pode é termos o financiamento público e também querer combinar com a iniciativa privada. Por isso, é preciso acabar de uma vez por todas com o financiamento privado. Se o político pegar dinheiro, estará cometendo um crime. Tem muito chão pela frente e se não mudarmos vamos continuar com os partidos fragilizados.

ABCD MAIOR - Junto com a reforma podemos também discutir a verticalização das coligações. No ABCD, por exemplo, em São Bernardo e Santo André, alguns partidos que estão na base nacional do PT não caminham com a legenda, como é o caso do PSB e do PMDB. Como o PT irá trabalhar para tentar reeditar a aliança nacional nas cidades?

Lula - Tem municípios que nem se o papa se reunir com os políticos as coisas vão mudar. O importante é que cada companheiro precisa ter a clareza que é mais difícil governar do que ganhar eleição. Para governar é preciso compor e ter um leque de apoio que passe na Câmara e na sociedade. Estou convencido de que o Luiz Marinho (PT), prefeito de São Bernardo, é um bom exemplo disso. Nós elegemos o Maurício Soares (PT) em 1988 (atual secretário de Governo de São Bernardo) e depois dele nunca mais conseguimos eleger outro prefeito do PT. Ou seja, toda eleição tínhamos mais de 20 partidos contra e o PT saía sozinho. O Marinho conseguiu trazer uma aliança política e reuniu mais de 300 candidatos a vereador, o que permitiu a vitória em 2008.

ABCD MAIOR - E nas demais cidades da Região, como o senhor avalia a composição política?

Lula - De Diadema eu nem falo nada, pois temos uma história forte na cidade. Em Diadema, quando nós perdíamos, perdíamos para nós mesmos. Agora, em Santo André, é preciso fazer uma analise. Em Santo André perdemos a eleição por problemas internos. Era muito difícil o PT perder aquela disputa (eleição de 2008), mas perdeu. O partido precisa ter humildade para compreender e entender que erramos e temos que nos recuperar.

ABCD MAIOR - Durante reunião com prefeitos do Estado de São Paulo e lideranças do PT, nesta semana, o senhor falou da importância de recuperar Santo André. O senhor acredita que o partido deverá evitar prévias na cidade. Quem será o candidato?

Lula - Em 1991 eu propus a prévia no PT para resolvermos problemas de conflitos entre as tendências, mas as prévias viraram uma guerra. Muita gente vai para disputa interna e quando perde não faz campanha para quem ganhou. Foi uma coisa boa, que se tornou, em alguns casos, prejudicial. No caso de Santo André, teríamos uma candidata nata, se ela não fosse escolhida antes pela presidente Dilma Rousseff (PT): a ministra de Planejamento, Miriam Belchior. Acredito que Miriam não pode largar o ministério para ser candidata em Santo André, pois já prestou e está prestando um importante serviço ao Brasil. No entanto, o PT tem quadros importantes em Santo André, mas é preciso fazer uma avaliação da coalizão de forças dos possíveis aliados. É uma questão de bom senso. É como se tivéssemos que tomar um cafezinho no bar, mas só com uma xícara para três companheiros. O cidadão mais humilde prefere não tomar ou repartir com os companheiros. No PT nós precisamos fazer isso, ninguém pode ser candidato só porque quer ser. Temos de permitir que outras pessoas possam dizer quem é o melhor, e o escolhido tem de ter o apoio de todo mundo. Mas não é apenas em Santo André. O PT precisa trabalhar muito para conquistar São Caetano e ter um partido forte em Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires. Em Mauá, precisamos reforçar a necessidade de manter o partido na Administração.

ABCD MAIOR - O senhor fará a articulação na Região para que o PT conquiste a mesma coligação editada para Dilma Rousseff (PT) em 2012? Qual será sua participação nas campanhas eleitorais?

Lula - Posso garantir, antecipadamente, inclusive sem falar antes com o Michel Temer (vice-presidente da República), que o PMDB desta vez terá o PT como aliado principal em todos os municípios. Conversei com o presidente estadual do PMDB, o deputado Baleia Rossi, que me garantiu que a preferência de aliança é com o PT. Participarei da eleição municipal, mas tenho cerca de 8,5 milhões de quilômetros para percorrer. Obviamente que vamos precisar ter uma escala de prioridades e o ABCD estará entre elas. Estou disposto a dedicar um tempo especial em São Bernardo, Santo André, Diadema, Mauá e Ribeirão Pires. As cidades que nós já governamos. Mas é importante saber que tenho outras tarefas e outras capitais que tenho de visitar. Em São Paulo está chegando a hora de o PT voltar a governar. Só precisamos montar uma chapa perfeita. O PT tem de encontrar um vice que dialogue com representantes do setor médio da sociedade, do pequeno empresariado, do profissional liberal e pessoas que têm um pouco de cisma do PT. Costumo dizer que vamos vencer em São Paulo quando encontrarmos o nosso “José Alencar” (ex-vice-presidente da República nas duas gestões com o Lula). Alencar significou muito nas minhas gestões. A nossa política e parceria foi impressionante.

ABCD MAIOR - A crise do PSDB em São Paulo poderá ajudar o PT a retomar a Prefeitura de São Paulo e outros municípios?

Lula - O PSDB está em crise de fragilidade ideológica. O PSDB não sabe se é PSDB, se é PMDB ou se é DEM. É um partido com muitas dúvidas e que não tem um perfil ideológico definido. Não acho que devemos julgar a crise do PSDB apenas com a saída dos vereadores da Câmara de São Paulo. A crise do PSDB é mais profunda. Quando Fernando Henrique Cardoso venceu a eleição de 1994, eles projetaram 20 anos de governança contínua do PSDB, o que não aconteceu. Na verdade, quem deverá ter os 20 anos de governança direta é o PT, pois fizemos muitas coisas nos oito anos do meu governo e a Dilma vai fazer muito mais nos próximos oito anos. Eles (tucanos) não se conformam de que é o PT que terá tempo necessário para mudar, para melhor e definitivamente, a cara do Brasil. Estou certo de que a crise do PSDB é uma crise de identidade. Ou seja, primeiro tem uma disputa interna entre Serra (José Serra), Alckmin (governador de São Paulo, Geraldo Alckmin) e Aécio Neves (senador). Eles têm o PT como adversário principal, e o PT tem que juntar todos os diferentes para que possamos vencer os antagônicos.

ABCD MAIOR - A Dilma será a candidata à reeleição em 2014?

Lula - Não tem como esconder, embora ela não pode, e nem deve falar, mas Dilma será a candidata do PT em 2014. Dilma vai mudar a cara do Brasil para muito melhor. Ela vai lançar o programa de combate à miséria absoluta, onde fará um pente-fino para descobrir quais são os pobres que ainda não foram atendidos e apresentará novas propostas para formação e geração de emprego. É importante o pessoal saber que Dilma trabalhou cinco anos na formação e coordenação de todos os programas do nosso governo. Ela sabe tanto, ou até mais que eu, do caminho que deverá trilhar para acabar com a pobreza e miséria absoluta do Brasil.

ABCD MAIOR - O senhor pretende voltar às portas de fábricas do ABCD para fazer campanha sindical?

Lula - Falei com o Sérgio Nobre (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) que terei um enorme prazer de participar de algumas assembleias. As pessoas têm clareza que os trabalhadores do ABCD, principalmente os metalúrgicos, tiveram muitas conquistas nos últimos oito anos, com aumento salarial acima da inflação e participação nos lucros. Além disso, imprimimos um ritmo de crescimento em que o ganho de produtividade não resultou em aumento da inflação. E neste momento precisamos estar juntos com a nossa presidenta para evitar que volte a inflação. Todos nós, pois combater a inflação não é uma responsabilidade apenas da Dilma ou do Guido Mantega (ministro da Fazenda).

15 abril 2011

A nova métrica do capitalismo

Por: Giuseppe Cocco*
Originalmente publicado na INOVA
Economista abre o debate sobre a necessidade de uma nova forma de se medir a riqueza de um país

A atual crise do capitalismo global acelera as reflexões e aporta novas urgências ao debate sobre indicadores de mensuração da riqueza (PIB) e da inovação diante do novo papel do conhecimento. Na modernidade industrial, produziam-se mercadorias por meio de conhecimento; no regime de acumulação contemporâneo, produz-se conhecimento por meio de conhecimento. O conhecimento não é mais instrumental voltado a um fim (o bem), mas contém seu fim dentro dele mesmo, num processo que, justamente, não tem fi m. Incerteza e singularização (customização) dos produtos, dos produtores e dos consumidores determinam a substituição da informação pelo conhecimento enquanto atividade refl exiva de julgamento. A informação permitia instaurar um mesmo mundo que os atores compartilhavam com base na mensurabilidade e equivalência generalizada: aquela dos preços. O conhecimento diz respeito a uma multiplicidade de mundos. Uma produção de mundos: aquele veiculado pela marca, o marketing, a propaganda, o design. O cálculo (quantitativo - informacional) deve “fazer as contas” com o julgamento (qualitativo - comunicativo): os saberes sociais, longe de serem unitários e indiscutíveis, se tornam múltiplos e controvertidos.

A crise permite (ou até obriga) uma ressignificação da relação entre consumo e produção que passa necessariamente pelo enfrentamento do enigma do valor e esse, por sua vez, implica a redefinição da convenção que junta dialeticamente trabalho e emprego, trabalho e capital (sendo que a ficção financeira não se reduziu apenas à alavancagem do crédito por meio dos derivativos, mas diz respeito também à ilusória equação constituída pela difusão social do trabalho e a fragmentação de sua remuneração). Usando a metáfora da colmeia e da polinização, podemos dizer que a crise do valor e a crise fi nanceira são resultado da nova condição do trabalho numa sociedade cujas convenções continuam a ser aquelas da colmeia. A análise tradicional do valor (e da inovação) se limita à produção (output) de mel, que pode ser negociado no comércio, e, pois, a uma racionalidade instrumental voltada a um fi m (o mel), apropriável sob as formas de direito de propriedade privada ou pública (estatal). Mas o valor criado pelo trabalho indireto, imaterial, relacional (de polinização) é “n” vezes mais importante que o trabalho material (direto) de produção de mel. Esse descompasso foi preenchido pelo consumo alavancado pelo crédito. Os desafi os de uma nova métrica são exatamente aqueles do reconhecimento das dimensões produtivas da polinização e, pois, da construção de instituições e convenções adequadas a essas redes cognitivas e não mais presas pela lógica de poder da colméia.

A produção e inovação por propagação polinizadora é aquela dos enxames de empresas territorializadas (APLs), movimentos (pontos de cultura, trabalho colaborativo em rede Web), territórios de cidadania, bacias de trabalho metropolitano, renda (o Bolsa Família). Precisamos de indicadores de “enxameamento” que reconheçam a dimensão produtiva e não deixem esgotar-se sua dinâmica propagadora.

*Giuseppe Cocco é professor de economia da Universidade Federal do rio de Janeiro.

06 abril 2011

Metrô: degradar para privatizar

Imagino um corpo ocupando o espaço em uma estação de metrô, empurrando catracas, pessoas, produtos, o que ao redor estiver. Esse corpo se mistura numa imensa massa. São muitos corpos, escravos de um sistema, que se deslocam de uma só vez, passando vezes por cima, vezes por baixo da terra. Rompem por trilhos os subterrâneos, por túneis as montanhas, por pontes os rios. Ainda que não se veja essas paisagens. São muitas pessoas nos infinitos vagões. São muitíssimos corpos em muitas latas.

As estações são imensas plataformas, com mais gente indo e vindo. Esse corpo nem caminha. Desliza e segue por outra dimensão. Ele segue no ritmo de uma correnteza cheia, de mar virado. Ninguém se afoga, mas o oxigênio falta para muitos.

Empurrado pra dentro do vagão, esse corpo esvazia a mente para caber melhor. Às vezes se pendura em barras de ferro, recobertas de suor resfriado. Esse corpo já deixou a face estampar o cansaço. Um apito e todos saem do trem. À espera. Outro apito e abarrota-se outro tem. Mais um apito e segue, para mais além dos trilhos, a massa de corpos.

Essa manobra de seres humanos é um sistema de deslocamento, que a cada ano encarece mais e a cada mês aumenta a degradação do bem-estar social. Não que eu dite previsões, mas tamanha é a presunção dos diretores do metrô, que tudo já caminha para um espatifar. Pois desse cenário não se vê outra saída, se não um triste genocídio civil metropolitano.

Eu não quero ver o corpo que imaginei passando por esse processo. E quem iria querer uma coisa dessa?