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19 dezembro 2013

Chuva faz a sua parte e inunda o sertão. Veremos o que fará o homem...

Passaram-se três anos desde que comecei minha dissertação de mestrado, sobre a tradição irrigante no povoado Mirorós, no sertão da Bahia, estudando o impacto de trinta anos de políticas públicas. Nesse tempo, a falta das chuvas só piorava a situação da população e do meio ambiente. As centenas de milhões de reais em investimentos, o avião contratado pra fazer chover, os mais de cem poços perfurados no local em pouco resultaram. O Rio Verde, coitado, virou pó! Os sertanejos irrigantes já partiam para a velha imigração nordestina. O povoado se esvaía. Foi um período amargo no lugar.



Ismael Nunes Miranda - Nego de Nazió, apontando o fim do Rio Verde, poucos quilômetros a jusante da barragem Mirorós -2011

No dia em que coloquei o último ponto final na dissertação, 17 de dezembro de 2013, um pé d'água daqueles fez escurecer o céu! E a chuva caiu forte, sem respeitar o pouco espaço que deixaram pra ela. A barragem instalada no povoado captou 1,10 milhão de metros cúbicos de água. Pelo menos nos últimos cinco anos, não escutei falar de uma cheia dessas.

Por um momento, me senti contemplada, pensei que talvez São Pedro, já descrente de que eu terminasse o trabalho, tivesse cuspido do céu: "Aleluia! Aleluia!".

Mas sei da minha insignificância, e dela vejo as chuvas sendo "culpadas" pela seca, pela inundação, pelo desastre, pela manifestação. Não são. Nós somos, ignorantes e culpados pela degradação de nossa própria casa. As chuvas são responsáveis pela  pela reprodução vegetal e animal. A chuva nos dá fartura, conforto, refresco, esperança.

Agora, o que faremos com essas novas águas, "1,10 milhão de metros cúbicos" represadas e garantidas para o "uso humano"? Daremos de beber aos animais, ou lavaremos nossa calçada? Teremos crumatá, pirarucu, piranha nos rios, ou compraremos peixe congelado da China? Produziremos arroz, ou lavaremos nosso carro? Deixaremos as mangueiras carregadas ou consumiremos mais sucos de caixinha, comprados de empresas altamente consumidoras de água, que aumentam o número de crianças obesas? Festejaremos o São João com a fartura da produção irrigada ou pagaremos caros ingressos para assistir algum cantor gringo em um espetáculo de luzes e sons que nos obriga a construir mais e mais "Belo Monte"?

Fiquei feliz com a chuva, no meu coração, sempre soube que ela viria e que o Rio Verde, para mim o rio mais franciscano de todos os que nascem na Chapada Diamantina, deveria estar preparado para receber e se apropriar novamente do que lhe foi roubado, o direito a correr. À população de Mirorós, por quem nutro carinho pela acolhida, desejo muita consciência nesse momento próspero. Penso que os rios são como nós, têm sempre uma resistência! Salve o Rio Verde! Salve o Rio Verde! Salve!


Rio Verde, na Fazenda Água Quente, onde a mão do homem não conseguiu enfraquecê-lo. Foto Vinicius Morende, 2008.