Lembranças felizes da primeira infância em Cuba. Fotos: Celso Horta
O embargo econômico sofrido por
Cuba mudou minha história, por isso me dou ao direito de comemorar hoje, 17 de
dezembro de 2014, o anúncio de mudança na postura do governo norte-americano
nas relações econômicas e sociais com a ilha e com o povo cubano. O comunicado foi
realizado concomitantemente pelos presidentes Barack Obama, nos EUA e Raúl
Castro, em Cuba.
Cresci escutando os causos da
passagem da minha família pela ilha, no ano de 1984. O carimbo inaugural no meu
passaporte deu asas à minha imaginação e encheu de mitos a minha cabeça. Viva
Fidel, Viva Che, Viva José Marti! Sempre achei o máximo dizer que estive na
ilha proibida no meu primeiro ano de vida e dizer que fomos muito felizes ali.
Mas estamos falando de embargo,
então vou copiar um trecho de minha vida, narrado por Frei Betto, em O Paraíso
Perdido (1993, p.92), e que toca na minha ferida mais antiga em relação ao
capitalismo cruel:
Cuba, junho de 1984 - “Celso Horta e Sérgio Cervantes me aguardam no aeroporto José Martí.
Celso, com quem partilhei anos de prisão, encontra-se em Havana desde março,
debatendo-se com a falta de Circulo Infantil para a filha, de moradia fixa, de
móveis, e com o excesso de burocracia das instituições cubanas. Trabalha no
resumo semanal do Granma, edição em português. Mora em Alamar, distante do centro. Ressente a dificuldade de condução e de
achar verduras e legumes. Maria Augusta, a filha de 3 anos, adaptou-se logo e
já fala espanhol. Joana aprende a andar. Rosa, a mãe, lamenta que eu não tenha
trazido uma chupeta para Joana, que ela tanto deseja.
Não é fácil para quem mora em um país capitalista adaptar-se a um país
socialista. Sobretudo se tem princípios e faz questão de não favorecer a
sabotagem econômica através do mercado negro e do mercado paralelo. No
capitalismo, quem tem dinheiro, prestígio e/ou relações, consegue se virar com
relativa facilidade. No socialismo também, mas é no mínimo uma incongruência
quando se sonha em construir uma nova sociedade.
No sábado, procuro chupeta para Joana em diversas lojas do centro de
Havana. Em vão. Dou-me conta de que a chupeta é tão importante pra ela quanto o
cigarro para um inveterado fumante ou a caneta para mim.”
Verduras, legumes, chupetas. Não
interessa o que seja, supérfluo ou de primeira necessidade, que mais nenhuma
criança cubana – ou não – deixe de ter o que precisa por uma birra do caduco
sistema capitalista.