Páginas

19 dezembro 2013

Chuva faz a sua parte e inunda o sertão. Veremos o que fará o homem...

Passaram-se três anos desde que comecei minha dissertação de mestrado, sobre a tradição irrigante no povoado Mirorós, no sertão da Bahia, estudando o impacto de trinta anos de políticas públicas. Nesse tempo, a falta das chuvas só piorava a situação da população e do meio ambiente. As centenas de milhões de reais em investimentos, o avião contratado pra fazer chover, os mais de cem poços perfurados no local em pouco resultaram. O Rio Verde, coitado, virou pó! Os sertanejos irrigantes já partiam para a velha imigração nordestina. O povoado se esvaía. Foi um período amargo no lugar.



Ismael Nunes Miranda - Nego de Nazió, apontando o fim do Rio Verde, poucos quilômetros a jusante da barragem Mirorós -2011

No dia em que coloquei o último ponto final na dissertação, 17 de dezembro de 2013, um pé d'água daqueles fez escurecer o céu! E a chuva caiu forte, sem respeitar o pouco espaço que deixaram pra ela. A barragem instalada no povoado captou 1,10 milhão de metros cúbicos de água. Pelo menos nos últimos cinco anos, não escutei falar de uma cheia dessas.

Por um momento, me senti contemplada, pensei que talvez São Pedro, já descrente de que eu terminasse o trabalho, tivesse cuspido do céu: "Aleluia! Aleluia!".

Mas sei da minha insignificância, e dela vejo as chuvas sendo "culpadas" pela seca, pela inundação, pelo desastre, pela manifestação. Não são. Nós somos, ignorantes e culpados pela degradação de nossa própria casa. As chuvas são responsáveis pela  pela reprodução vegetal e animal. A chuva nos dá fartura, conforto, refresco, esperança.

Agora, o que faremos com essas novas águas, "1,10 milhão de metros cúbicos" represadas e garantidas para o "uso humano"? Daremos de beber aos animais, ou lavaremos nossa calçada? Teremos crumatá, pirarucu, piranha nos rios, ou compraremos peixe congelado da China? Produziremos arroz, ou lavaremos nosso carro? Deixaremos as mangueiras carregadas ou consumiremos mais sucos de caixinha, comprados de empresas altamente consumidoras de água, que aumentam o número de crianças obesas? Festejaremos o São João com a fartura da produção irrigada ou pagaremos caros ingressos para assistir algum cantor gringo em um espetáculo de luzes e sons que nos obriga a construir mais e mais "Belo Monte"?

Fiquei feliz com a chuva, no meu coração, sempre soube que ela viria e que o Rio Verde, para mim o rio mais franciscano de todos os que nascem na Chapada Diamantina, deveria estar preparado para receber e se apropriar novamente do que lhe foi roubado, o direito a correr. À população de Mirorós, por quem nutro carinho pela acolhida, desejo muita consciência nesse momento próspero. Penso que os rios são como nós, têm sempre uma resistência! Salve o Rio Verde! Salve o Rio Verde! Salve!


Rio Verde, na Fazenda Água Quente, onde a mão do homem não conseguiu enfraquecê-lo. Foto Vinicius Morende, 2008.

18 novembro 2013

Participação social é restrita em discussão sobre zoneamento ecológico-econômico da Bahia

Audiência pública realizada na Chapada Diamantina para discutir ZEE do Estado foi marcada pela escassez de tempo para o debate e ausência de discussão sobre problemas ambientais da macrorregião

O governo do Estado iniciou as discussões para a definição do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da Bahia na quarta-feira passada (12/11), em audiência pública realizada em Seabra, no interior do Estado. O evento teve como objetivo definir as diretrizes para as atividades econômicas nos territórios da Chapada Diamantina, Piemonte da Diamantina e Irecê.

A audiência foi marcada pelas críticas quanto à restrição de tempo para o debate. Este fato impossibilitou a discussão de propostas sobre atividades polêmicas e de alto impacto ambiental, como a mineração, a produção de energia eólica, a agricultura irrigada extensiva, a perfuração intensiva e desordenada de poços artesianos, as carvoarias, a construção e uso de novas barragens para atender o agronegócio e a utilização irrestrita de agrotóxicos na macrorregião.

A ausência de discussões sobre questões ambientais críticas da macrorregião durante o evento também representa riscos significativos para o desenvolvimento das discussões do zoneamento. Ficaram de fora do debate temas como a expansão da desertificação e da salinização do solo, o avanço do desmatamento e a produção de carvão, o esgotamento e contaminação de rios e lençóis freáticos por conta de atividades agrícolas extensivas e da escassez de saneamento básico, os prejuízos ambientais da instalação de torres para testes e produção de energia eólica, entre outros.

O ZEE preliminar apresentado parece mais determinado em garantir a expansão de atividades econômicas do que com uma proposta que garanta qualquer modelo de desenvolvimento tido como sustentável para a macrorregião. A proposta dá ampla abertura ao investimento de setores empresariais que já possuem suporte financeiro e que tem por característica a ausência de bases de atuação sustentáveis. O apoio à agricultura familiar e outras atividades comprometidas com o desenvolvimento local e regional aparece em segundo plano.


Audiência pública para discussão do ZEE da Bahia na macrorregião da Chapada Diamantina, Irecê e Piemonte da Diamantina aconteceu no auditório da Uneb, em Seabra.


Um encontro do colegiado territorial da Chapada Diamantina para discussão das diretrizes específicas das zonas do ZEE que abrangem o território de identidade está pré-agendado para o dia 10/12. Os colegiados dos territórios do Piemonte da Diamantina e Irecê também deverão realizar encontros para debater o tema. Nestes territórios, os Agentes de Desenvolvimento Territorial (ADTs), servidores da Secretaria de Planejamento do Estado (Seplan) é que ficarão responsáveis pela discussão das diretrizes e sistematização de sugestões para a elaboração da versão do ZEE que será votada na Assembleia Legislativa da Bahia.

As principais críticas em relação ao andamento da audiência pública partiram do próprio poder público. Responsáveis pelo Parque Nacional da Chapada Diamantina, vinculados ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), questionaram sistematicamente a limitação de tempo disponível para o debate e a ausência de informações para a avaliação das perspectivas de riscos de atividades econômicas de alto impacto para o ambiente da zona da Chapada Diamantina e Serra do Espinhaço, que se estende por seis territórios de identidade do Estado.
De acordo com os ambientalistas, sem os dados disponíveis sobre autorizações de lavras para a exploração de minérios, por exemplo, é impossível elaborar diretrizes que tentem garantir a redução do ônus ambiental numa região sensível a atividades de alto impacto. Nenhum dos grupos presentes na audiência conseguiu ter tempo e informações suficientes para reelaborar as diretrizes que visavam intensificar a “mineração sustentável”, tendo em vista que este pareceu um conceito incoerente.

A principal preocupação dos representantes da sociedade civil presentes na audiência pública é que, mesmo sem poder contribuir de fato com o processo de construção do ZEE, a presença destes valida a necessidade de participação social da iniciativa, requisito exigido por lei federal.

No entanto, o promotor de Justiça e Coordenador do Núcleo de Defesa da Bacia do rio Paraguaçu, Augusto César de Matos, afirmou que o Estado não atendeu uma série de mecanismos exigidos pela legislação federal para garantir o acesso a informações importantes para o debate.  Por conta disso, a participação da sociedade civil na audiência pública foi comprometida.

Um dos principais mecanismos que não foi disponibilizado pelos órgãos responsáveis pelas discussões foi o Sistema de Informação Geográfica (SIG Web), garantido por decreto federal e que estava indisponível para consulta no website do ZEE da Bahia até a publicação deste texto (17/11/2013).

Audiência pública – O processo de audiências públicas para a elaboração do ZEE do Estado, principal mecanismo de participação da sociedade civil – e que garante juridicamente a legalidade do zoneamento – teve início em Seabra com uma atraso de, aproximadamente, uma hora e meia. Houve participantes que tiveram que enfrentar viagens de dez horas para ir até o local do evento e voltar para a cidade de trabalho.

Após uma rápida apresentação de representantes das prefeituras, dos colegiados territoriais e dos comitês de bacias hidrográficas da macrorregião, representantes da Seplan e da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) apresentaram a versão preliminar do ZEE da Bahia.

Pouco depois os participantes foram divididos em oito grupos de trabalho, um para cada zona ecológico-econômica – definida pelo Estado como “porções territoriais, com determinadas características ambientais, sociais e econômicas, cujos atores envolvidos propõem uma destinação específica” – que influenciam os três territórios de identidade da macrorregião.

O objetivo era que cada grupo fizesse a leitura e a discussão crítica das diretrizes gerais do ZEE do Estado (mais de 60 diretrizes, algumas com texto de mais de 250 caracteres), das diretrizes gerais da zona em questão (os participantes foram aleatoriamente selecionados para participar do debate nas zonas no ato de inscrição para a audiência) e das diretrizes específicas da zona ecológico-econômica (cada zona possuía em média 20 diretrizes com textos que chegavam a 500 caracteres).

No período da tarde cabia a cada grupo fazer a apresentação daquilo que havia debatido e as modificações que haviam realizado nas diretrizes específicas e gerais de cada zona. Por fim, seriam discutidas as alterações propostas por cada grupo às diretrizes gerais para o Estado.

Na prática, as temáticas complexas de algumas diretrizes e a falta de informações para subsidiar o debate fizeram com que vários grupos não conseguissem concluir as alterações em algumas diretrizes específicas, especialmente no caso daquelas que versavam sobre a mineração. A apresentação das mudanças e os debates sobre as alterações propostas pela plenária se prolongaram e alguns relatores apresentaram suas propostas sem que houvesse representantes do grupo da zona na plenária. Vários grupos apresentaram suas propostas quando a maioria na plenária já era de servidores do próprio Estado.

Poucos grupos conseguiram realizar a leitura crítica de metade das diretrizes gerais do ZEE para o Estado. As alterações propostas pelos grupos que conseguiram debater algumas destas diretrizes não puderam ser validadas pela plenária ao final do encontro, por conta da falta de representatividade da sociedade civil na plenária (a audiência que começaria às 8h30 se foi encerrada após as 20h). Mais de 90% dos participantes da plenária presentes ao final da audiência pública era de servidores do Estado.

ZEE – De acordo com cartilha distribuída pelo governo estadual o ZEE é um “instrumento técnico, econômico, político e jurídico, de grande importância no planejamento por facilitar a construção de parcerias na busca da equidade”. O ZEE serve para “indicar o melhor uso e ocupação para o solo de cada região e também preserva o meio ambiente, garantindo as condições de vida dos seus filhos e netos”, além de promover o Desenvolvimento Sustentável e o Ordenamento Territorial”.

Participação Social – Se você tem sugestões para a elaboração do ZEE da Bahia entre em contato com o colegiado territorial do seu território ou com o agente de desenvolvimento territorial (ADT) do seu território (Irecê e Piemonte da Diamantina). Além do evento no macroterritório da Chapada Diamantina, na última sexta-feira (14/11) ocorreu a audiência pública para discutir o ZEE nos territórios de , em Feira de Santana.
O ZEE é um instrumento da Política Nacional e Estadual de Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/81, Decreto Federal n.º 4297/02 e Lei Estadual nº 10.431/06). As próximas audiências públicas acontecem em Juazeiro (19/11), Barreiras (20/11), Alagoinhas (21/11), Ibotirama (22/11), Jequié (25/11), Salvador (27/11) e Porto Seguro (29/11/2013). Mais informações em www.zee.ba.gov.br

11 setembro 2013

Obra irregular de barragem é paralisada em Piatã

Empresários aproveitam-se de mecanismo para combate à seca e iniciam desmatamento em área de Preservação Permanente

A controversa construção de duas barragens na região dos Gerais de Piatã motivou o início do debate entre sociedade civil, poder público e o agropolo de Mucugê e Ibicoara. Na última quarta-feira (04/09), uma reunião no fórum do município de Piatã debateu a obra, que seria abastecida com a água de nascentes do rio de Contas.

População de Piatã comparece ao Fórum reivindicando proteção ao meio ambiente

A obra, iniciada pelas empresas Bagisa e Hayashi, foi embargada pelo Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia) por conta de irregularidades ambientais. As empresas do agropolo são responsáveis pela retirada de 7,74 hectares de vegetação na área na qual seriam construídas as barragens. Parte da área integrava a APP (Área de Preservação Permanente) do riacho das Pedras, um dos afluentes do rio de Contas. O prejuízo ambiental provocado é irreversível.
De acordo com representantes da Bagisa e Hayashi, presentes na reunião, as empresas iniciaram o desmatamento e limpeza do terreno utilizando-se de uma autorização de uso de solo fornecida pela prefeitura de Piatã e que subsidiou a concessão de uma licença simplificada concedida pelo próprio Inema. 

Os empresários do agropolo, que deram início ao processo de obtenção de licenças ambientais para a instalação das barragens nas nascentes do rio de Contas em 2008, encontraram no início de 2013 uma oportunidade de satisfazer seus planos, através da obtenção de uma licença simplificada.
O mecanismo, criado por meio do decreto nº 14.389 de 07/04/2013, do governo do Estado da Bahia, propõe a Licença Ambiental Unificada para “empreendimentos e atividades necessárias ao enfrentamento de situação de emergência ou estado de calamidade pública decorrente da estiagem no Estado da Bahia”. Piatã, assim como outros 213 municípios do Estado, declarou situação de emergência poucas semanas antes da criação do decreto estadual. A medida em poucos meses deu início a obras para a construção de pelo menos cinco barragens na Chapada Diamantina, incluindo as de Piatã.

No entanto, o licenciamento simplificado não isenta os empreendimentos da apresentação da licença para a supressão da vegetação. As obras em Piatã foram embargadas após representantes do escritório regional do Inema em Seabra apurarem a falta da licença durante fiscalização. Além disso, de acordo com o decreto estadual o procedimento para licenciamento simplificado “não se aplica a áreas de preservação permanente”, o que é o caso da área na qual as empresas do agropolo começaram a construir as barragens. Este seria outro fator para inviabilizar a concessão da licença simplificada às empresas que atuam em Piatã.

Margem do Riacho das Pedras, nascente do Rio de Contas, ainda com as marcas da devastação


Uma das críticas feitas à ação das empresas do agropolo durante a reunião pública da última quarta-feira é a de que as barragens nos Gerais de Piatã não seriam obras que minimizariam os efeitos da seca para as comunidades da região e a sociedade do município, nem beneficiariam os agricultores de Piatã – o município é o que possui o maior número de agricultores familiares na Chapada Diamantina.  Ao contrário, a obra teria apenas fins lucrativos e privados, possivelmente oferecendo muito mais prejuízos do que benefícios para a população local. No caso, a produção de batata semente, cultura que demanda volumes consideráveis de agrotóxicos. A perspectiva também impossibilitaria que o empreendimento continuasse a ser favorecido pelo decreto estadual.
Entre outras críticas direcionadas ao empreendimento durante a reunião pública foram ressaltados os prejuízos ambientais provocados pela barragem, a potencialidade de contaminação da bacia hidrográfica de um dos principais rios baianos a partir do uso de agrotóxicos e a abertura de uma nova fronteira agrícola na Chapada Diamantina pelo agronegócio, facilitada pelo acesso à água mineral de baixo custo.

 População de Piatã em mobilização para o impedimento da obra

Ministério Público – O promotor de Justiça Augusto César de Matos, presente na reunião da última quarta-feira em Piatã, ressaltou que mesmo o decreto estadual possibilitando a modalidade simplificada, as barragens a serem construídas pelas empresas do agropolo no município ainda teriam que possuir o licenciamento e a documentação exigida pela Constituição federal, a exemplo do EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental).
“A lei estadual não pode se sobrepor à lei federal”, explicou afirmando a inconstitucionalidade da isenção da apresentação das licenças ambientais exigidas pela Constituição. O secretário de Meio Ambiente da Bahia, Eugênio Spengler, já havia deixado clara esta condição na época em que o decreto fora criado. “Mesmo para estes empreendimentos será necessário o cumprimento de normas e padrões ambientais e da fiscalização exercida pelos órgãos da área”, afirmou Spengler.

De acordo com o promotor Augusto César, a partir da situação observada em Piatã, a proposição do Ministério Público é realizar um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) e apoiar a realização de uma série de audiências públicas para discutir a possível instalação das barragens nas nascentes do rio de Contas. As audiências teriam como objetivo possibilitar a participação da sociedade civil no debate sobre os benefícios e prejuízos da instalação das barragens e do agronegócio no município da Chapada Diamantina. A sociedade civil até agora não foi envolvida na discussão sobre os empreendimentos por iniciativa das empresas ou do poder público local.

Histórico – A reunião para questionar a atuação das empresas Bagisa e Hayashi em Piatã foi uma iniciativa do Conselho Gestor da ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico) Nascente do Rio de Contas, criado em 2013 e responsável pela gestão da unidade de conservação ambiental estadual. O local no qual foram iniciadas as obras para a construção das barragens está no entorno da ARIE o que poderia dificultar ainda mais o processo de licenciamento ambiental, caso o plano de manejo da área já tivesse sido definido.

O representante do conselho, Léo Bittner de Freitas, mestre em torra e produtor do Café Terroá, questionou durante a reunião pública que o tamanho do projeto das empresas do agropolo em Piatã não se limitaria à extensão das barragens, mas sim ao espaço produtivo como um todo. “O projeto das empresas é muito maior, vai muito além dos 200 hectares (destinados às barragens)”, referindo-se à classificação de “pequeno porte” dada ao projeto pelo governo estadual.
O representante da EBDA no conselho, Nelson Luz Pereira, do escritório regional de Abaíra, lembrou da importância que os Gerais de Piatã tinham para a economia da região há algumas décadas. “Esta era a área onde os criadores do boi Pé-Duro traziam a criação na época da estiagem. Estes animais não existem mais na região, pois o agronegócio foi comprando todas as terras e não havia mais pra onde levar os animais durante as secas”.

*Fotos: Vinicius Morende. Temos fotos em alta resolução para compartilhamento e divulgação

31 maio 2013

O tempo das escolhas

Menino no pau de sebo - São João de Mirorós (2008).



Tem um tempo pra cada um até que as escolhas mostrem as paisagens na estrada da vida com alguma nitidez. Não se trata do fim, mas do rascunho.

No começo, o livre arbítrio insurge com quem nos cuida. Com o tempo, conquistam-se algumas escolhas. 

Mas a guerra ainda é grande, com todos os condicionamentos que cercam uma mente em formação fecunda.
Inda que o tudo exerça uma pressão contínua, o instinto pessoal a toda hora se revela, às vezes ferozmente, mas no passar das horas com sutileza.

São os momentos de cada escolha. O que nos move ou nos estanca. Sementes, que depois de longas jornadas encontram um chão, são as escolhas.

Por vezes, frutificam àquelas que caem aos pés de sua própria planta. O que não implica na redução da jornada. Acontece que o chão ao alcance às vezes não tem forças para viver uma nova planta, e a semente ali vai esperar.

As sementes no chão são as escolhas. Que hora se colocam a brotar. “A gente colhe aquilo que a gente planta!”. E vive a primavera das escolhas.

As escolhas, depois de incubadas, tornam-se quadros reais. Felicidades, tristezas, inércias. A escolha é uma luta assumida, uma batalha ganha, outra perdida. A queda de braço e a divisão da medida.

O sentir é o tempo das escolhas. A saudade do que não se possui e a alegria do que se deleita. A vida no fim das estações.

Não é o fim dos tempos, vem sempre e ainda um novo ciclo. Em espiral, tudo que se elegeu, esteja em fruto ou em semente, faz o que vem depois do tempo, o tempo das novas escolhas. 

08 fevereiro 2013

Casarão histórico é interditado em Lençois (BA)

Na noite de quinta-feira, 07/02, um dos principais casarões históricos da cidade de Lençois-BA, foi interditado. Conhecido como “casarão”, a estrutura abrigava diversos estabelecimentos comerciais, como agência de turismo, lojas de equipamentos para trecking, souvenirs, lan house e um bar-danceteria em seu piso superior.  

Crédito: Antônio Carlos Frascol . Casarão aos pedaços, antes da reforma.
Casarão reformado.

Um dia antes do carnaval, enquanto o comércio se preparava para receber um número elevado de turistas e que seguram as contas de muitos empreendimentos na época da baixa temporada, o promotor local decretou a interdição e a retirada, em três horas, de todos os ocupantes da edificação.

A praça em frente ao mercado ficou tomada por curiosos enquanto os restaurantes próximos perdiam clientela. “Isso aqui era pra estar cheio, os turistas foram embora com a confusão”, reclamou o dono de um dos estabelecimentos vizinhos ao prédio.

Talvez na onda da tragédia de Santa Maria (RS), ou por ter tirado a liminar coincidentemente na noite anterior ao feriado prolongado mais famoso da Bahia, fato é que a ação foi realizada sem explicações para a sociedade civil, principal interessada na manutenção do patrimônio. Sobrou espaço para os "diz que me diz". Um trabalhador do local afirmou que uma pessoa ligada ao governo e que sabia de irregularidades fiscais no local observou o funcionamento da boate, sem a devida licença, o que teria desencadeado a desocupação imediata. 

De acordo com um comerciante que locava um espaço no casarão, a briga é do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural Nacional (IPHAN), com o dono do estabelecimento, que devia mais de R$ 300 mil para o IPHAN em taxas e impostos. “Eu sou um dos principais prejudicados, porque tenho loja aqui, mas quer saber, está certo, o dono havia se comprometido a fazer da parte de cima do estabelecimento um espaço cultural, onde hoje funciona uma balada. O problema é esse circo que armaram”, disse o comerciante em conversa informal.

Na comunidade do facebook, Pau de Anun, único meio de comunicação local e sustentado pelo boca-a-boca, está a informação de que o prédio recebeu verbas do BID, através do programa Monumenta, do IPHAN, anos atrás. Hoje, a parte externa do edifício está bastante deteriorada, com grandes rachaduras, queda de reboco e pintura gasta. O prédio faz parte do conjunto arquitetônico e paisagístico de Lençois, tombado pelo governo federal - IPHAN.

03 fevereiro 2013

Comer bem vivendo de bolsa

Neste primeiro trimestre, os estudantes da pós-graduação brasileira, que buscam desenvolver a expertise científica, colaborando assim para o desenvolvimento do país, cobram do governo federal um reajuste de 30% nos valores das bolsas de mestrado e doutorado oferecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


Em 2012, em acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia, foi prometido um aumento de 40% no valor das bolsas. No segundo semestre do ano passado, houve um reajuste de 10%. Falta o restante do percentual. O valor da bolsa de estudos é R$ 1.350, para mestrado, e R$ 2 mil, para o doutorado.

No site do Terra, o diretor de Políticas Educacionais da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e mestrando em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lucas Machado, afirma que “sem que o pesquisador seja valorizado não tem como o Brasil projetar e organizar o seu desenvolvimento". “Qualquer pessoa em início de carreira pode ganhar mais do que o valor da bolsa, o que nos estimula a continuar na universidade? Tem que gostar muito mesmo de pesquisar”, afirma Tamara Naiz da Silva, tesoureira da instituição.


Por vivência própria, afirmo que foi uma escolha feliz, trocar uma renda que variava entre quatro ou cinco vezes a da bolsa de mestrado. Mas que só com o bom pé de meia e com a ajuda da família que essa troca se faz saudável.  Consciente de que a grande maioria não tem as mesmas condições que a minha, ergo a bandeira pelo aumento da remuneração aos pesquisadores brasileiros.

Enquanto isso não acontece, não dá pra ficar vivendo de miojo e muito menos comendo na rua. O miojo não rola pelo baixo valor nutricional que não me deixará forte o suficiente pra aguentar a labuta e a espera pelo aumento.  Comer fora está fora de cogitação, só se for hot-dog, do contrário não sobra pra o aluguel, a água, a energia, o conserto do PC, o busão e o trem pra chegar na USP leste, o básico pra fazer a pesquisa.  A viajem de campo então, só arrancando de pé de meia mesmo. É ai que os dotes culinários se desenvolvem. Jogo a receita pra quem quiser um prato salgado e um doce, deliciosos e que ficam melhores ainda com aquela comida que sobrou de ontem e com as frutas passando na fruteira.


Hambúrguer de Lentilha:
Receita inspirada no hambúrguer de Lenteja que experimentei na Vila Bonita, em Coroico, Bolivia. Faço tudo no olhometro, porque depende do quanto de lentilha sobrou. Três colheres de sopa fazem um hambúrguer pequeno.
Ingredientes: Resto de lentilha que ficou na geladeira, batata, soja pvt, cebola e alho, farinha, ovo, limão, temperos. Opcional: queijo para rechear
Hidrate a soja em água com limão. Misture a lentilha e a batata cozida e amassada, a cada duas porções de lentilha, uma de batata e uma de soja já espremida depois de hidratada. Adicione a cebola e o alho bem picadinhos, crus, e o ovo batido no garfo. Antes de temperar, adicione a farinha, é ela quem dá a textura, que tira o excesso de molhado da massa. Não exagere, pra cinco hambúrgueres, duas colheres de sopa está bom, se não fica um gosto de farinha tosco. Agora adicione sal, ervas a gosto e um pouco de shoyu, lembrando que no shoyu já tem bastante sal. Você pode colocar no meio uma fatia de queijo, fica tipo polpetone e ajuda na liga. Leve ao forno pré-aquecido numa assadeira levemente untada e deixe ficar bem moreninho. Demora, quase uma hora, aproveite pra ler um artigo ou revisar um capítulo da dissertação ou tese. Espere esfriar pra ajudar a não grudar no fundo. Pode ser montado com pão e salada, tipo hambúrguer, ou ser servido no prato com arroz e uma batata ao forno, aproveitando o gás do pré-aquecimento.

Torta preguiça de banana:
Receita da minha mãe, que dispensa utensílios e habilidade na cozinha.
Ingredientes:  1 xícara de farinha,  2 xícaras de açúcar, 1 colher de fermento, 3 ovos, 1 copo de leite, dez bananas, quanto mais passadas melhor, canela em pó. Costumo usar aquelas com a casca toda preta. Pode ser de maça ou abacaxi também. Opcional: uvas passa.
Misture a farinha, o açúcar e o fermento. Em outro recipiente, bata na mão os três ovos, misture com o leite. Corte a banana em fatias.
Num pirex desses que vão ao forno coloque metade da mistura de farinha, por cima as fatias de frutas e as passas e finalmente metade da mistura de ovos, novamente a farinha, frutas e ovos. Leve ao forno. Vinte minutos depois acrescente uma mistura de açúcar e canela.
Nas receitas, sempre uso farinha integral. Pro hambúrguer, a de linhaça também cai bem, mas cuidado com o sabor que é muito forte. Pra torta de banana, pode trocar meia xícara de farinha por meia de cacau em pó sem açúcar.

Não tenho fotos porque como é muito gostoso acaba num instante. É isso aí, além de evitar o desperdício de comida, torna a vida do bolsita duro mais feliz, possibilitando até o oferecimento de rangos para os amigos!