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16 dezembro 2010

Excluídos da natureza

Dia desses parei pra pensar nesses objetos que o homem cria e que destoam da natureza. Estava deitada na rede, procurando um tucano que come os passarinhos lá do quintal e vidrei meus olhos no carro estacionado à porta da casa.

Pensei: esse carro não é natural. É artificial. Não é da natureza, certo? Errado, porque todas as partes que o compõe foram encontradas na natureza. Transformadas, sim, mas não vieram de marte. A não ser que o homem tenha vindo de marte e trazido consigo elementos marcianos, implantados há milhares de anos na terra para facilitar a evolução alienígena. Mas não tenho provas dessa hipótese...

Bom, mas o carro não é natural porque sua produção e consumo agridem a natureza. Errado também. Não dá pra cobrar que uma coisa, seja ela o que for, não interfira na natureza. Veja o caso do perigoso tucano, que ronda o pé de pitanga atrás de um ninho de Tié Sangue. Quantas vezes não vi as peninhas na terra, prova do assassinato de filhotinhos inocentes. Ou os gritos da mamãe Tiê Sangue à procura do imoral predador de suas crias.

E os milhares de processos físicos e químicos necessário para a produção do carro? As abelhas constroem colméias enormes, que produzem litros de mel, através de processos físicos e químicos. Elas podem não utilizar equipamentos de segurança, mas correm até risco de morte em suas jornadas para colher o néctar de uma planta. Ou seja, a questão da transformação também não desclassifica o veículo automotivo do quadro de elementos naturais.

Mesmo assim, esse carro me parece tão, mas tão artificial. Não me parece nada integrado à beleza da verdadeira da natureza. Talvez os designers devessem pensar em estampas floridas, para tentar incluir esses excluídos do natural. Não, também não vamos exagerar. Gosmas e bichos peçonhentos são o que são, e são naturais com N maiúscula.

Ah, que dúvida cruel. Essas máquinas poluentes, esses produtos de consumo, essas insanidades criadas pelo homem não podem ser fruto de minha tão venerada natureza, podem?

Esse tipo de pensamento é capaz de nos levar a loucura. Como não tenho grana pra terapia, apelei por externá-lo à primeira pessoa um pouco mais informada sobre esse assunto que encontrei. Por sorte, tenho uma irmã Engenheira Bioquímica, doutoranda em genética de alguma coisa, com um mestrado sob o título "Estudo sobre a redução de Fe3+ por extratos aquosos de cultivos de Ceriporiopsis subvermispora sobre madeira e sua relação com a peroxidação de lipídeos"(!!!heim???) e aberta o suficiente para analisar essa viagem. Contei o pensamento um tanto envergonhada e perguntei:
- Afinal, cientificamente, esse carro é natural? Essa rede é natural? Esses produtos são naturais?
- Hum, eh, ah, é, são. Por esse seu pensamento!

Ah, que afirmação desejada. Não estava ficando louca. Mas eis que surge um email na minha tão natural caixa de entrada, dois dias depois, com remetente GutaLax (Remédio para gases e apelido carinhoso da minha irmã).

“Oi Jo, tudo bem? Estive pensando sobre a sua idéia "do natural". Não existe como separar a idéia de natural da industrialização... não que uma coisa deixe de ser natural, mas depois que ela passa por processo de industrialização vira natural industrializado....mas interessante é que as pessoas podem ter até consciência de que é preciso conservar o natural, mas falta a consciência da pegada ecológica que o processo de industrialização gera. Já ouviu falar desse termo "pegada ecológica"? Tipo a pessoa sabe que não deve desperdiçar água, mas nem imagina quanta água deve ser usada para fabricar um carro novo sonho de consumo....não adianta fechar a torneira na hora de escovar o dente e trocar de carro todo ano....essa consciência que falta as pessoas... esse cara, o Genebaldo, escreve uns livros muito bons....tem um "pegada ecológica e sustentabilidade humana"...lembrei dele pensando nessa sua idéia maluca.”

Ah, a industrialização. Deve ser na fábrica que ficam as almas dos elementos naturais, aprisionadas pela ambição desenfreada dos patrões, para a transformação em produtos de consumo. Lá elas ficam separadas de seus elementos naturais, vigiadas pela exploração descabida e pelo estímulo indiscriminado ao consumo.

Então, tudo poderia ser muito natural. Não é uma questão de produzir e criar. Mas de não saber, nem se importar, com os processos de transformação, que fazem parte do curso natural da vida. É, o assunto rende um monte e eu vou continuar pensando...enquanto isso vou dividindo e compartilhando!

Um comentário:

  1. naturalmente teremos que ter uma conversa, prometo que será recheada de uma boa comidinha, bem natural, comprada numa dessas casa de produtos orgânicos, livres de agrotóxicos...Livres?... Sei lá. De qualquer forma teremos que dar mais atenção a essas divagações que se precipitam de cabeças tão absolutamente dialéticas. Beijos, mamãe.

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