

Foto Vinicius Morende
De onde eram aqueles textos? Aqueles que descrevi em cartas.
Estou sentada no sofá de casa...Estou sentada no sofá de casa. Olho pra frente. A TV está ligada na Globo. Brasil e Argentina empatam em zero a zero e já é quase o fim do primeiro tempo. A TV fica em cima de uma caixa plástica amarela. Dessas usadas para carregar frutas. Olho para a parede atrás da TV. O mural de textos chama muito a minha atenção. Foi Vinicius quem montou. Ele é lindo. É intenso e cheio de significados. Um texto do Capital fica bem em cima. Tem também, no canto superior direito, uma fotografia daquele bidê que ganhou um prêmio de arquitetura. O juiz apita o fim dos primeiros quarenta e cinco minutos. Eu queria estar escutando Amadou Et Mariam.
Um pouco abaixo da fotografia do bidê, a única da instalação, tem um trecho de Morte e Vida Severina e um pouco mais ao centro, Viva o Povo Brasileiro. O Vi pegou esses textos em uma exposição em São Paulo. Estão todos impressos em papel daqueles de pacote de pão. Marrom. São todos do mesmo tamanho. Alguns têm a fonte pequena. Outras gritam, como 234, EinStEn e LITERATURA E HUMANISMO. Além disso, eles se misturam entre horizontais e verticais. O Vi montou esse mural na parede que fica atrás da TV. A caixa preta quase desaparece quando olho para os textos, mesmo estando na frente deles.
A parede do mural foi a mais difícil de pintar, das cinco que pintamos. Metade dela está verde e o meio tem uma parte branca, mas o mural cobre quase toda a falha. Mas ficou legal. Tem seu significado. É que acabou a tinta.
Estou sozinha em casa. A casa é tão grande. Tem a sala, a cozinha, dois banheiros, quatro quartos, a área de serviço, a varanda e um quintal com goiabeiras e pinheiras. Consigo ocupar todos os espaços com meus pensamentos, poucos móveis e alguns objetos.
Na sala ainda tem um tapete de palha entre a TV e o sofá. Na parede oposta ao mural tem uma janela que pintei de verde água. Acho a parede mais bonita da casa. Hoje. Antes era a mais feia. Quando a janela está aberta consigo ver o pé de umbu e a serra lá atrás. A cor do céu sempre fica bonita nesse ângulo e quando o Sol está se pondo a visão chega a seu auge. O laranja muda a cor do cerrado. As árvores ficam amarelas, vivas. Contrastam com a cor da terra seca, amarela fosca.
Meu sofá também é legal. É um incrível sofá retrô. Herança das intalações montadas para abrigar os engenheiros e funcionários que construíram a barragem, na década de 1980. Hoje sou eu quem está sentada no sofá. Vinte e quatro anos depois da construção da barragem. Vinte e quatro anos depois de minha mãe me deixar sair de sua barriga e pular para o mundo. Curiosa, ansiosa por saber como eu seria. Como eu me transformaria. Como eu escolheria me constituir e evoluir.
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