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13 maio 2011

Em uma casa no sertão



Foto Vinicius Morende


De onde eram aqueles textos? Aqueles que descrevi em cartas.
Estou sentada no sofá de casa...

Estou sentada no sofá de casa. Olho pra frente. A TV está ligada na Globo. Brasil e Argentina empatam em zero a zero e já é quase o fim do primeiro tempo. A TV fica em cima de uma caixa plástica amarela. Dessas usadas para carregar frutas. Olho para a parede atrás da TV. O mural de textos chama muito a minha atenção. Foi Vinicius quem montou. Ele é lindo. É intenso e cheio de significados. Um texto do Capital fica bem em cima. Tem também, no canto superior direito, uma fotografia daquele bidê que ganhou um prêmio de arquitetura. O juiz apita o fim dos primeiros quarenta e cinco minutos. Eu queria estar escutando Amadou Et Mariam.

Um pouco abaixo da fotografia do bidê, a única da instalação, tem um trecho de Morte e Vida Severina e um pouco mais ao centro, Viva o Povo Brasileiro. O Vi pegou esses textos em uma exposição em São Paulo. Estão todos impressos em papel daqueles de pacote de pão. Marrom. São todos do mesmo tamanho. Alguns têm a fonte pequena. Outras gritam, como 234, EinStEn e LITERATURA E HUMANISMO. Além disso, eles se misturam entre horizontais e verticais. O Vi montou esse mural na parede que fica atrás da TV. A caixa preta quase desaparece quando olho para os textos, mesmo estando na frente deles.

A parede do mural foi a mais difícil de pintar, das cinco que pintamos. Metade dela está verde e o meio tem uma parte branca, mas o mural cobre quase toda a falha. Mas ficou legal. Tem seu significado. É que acabou a tinta.

Estou sozinha em casa. A casa é tão grande. Tem a sala, a cozinha, dois banheiros, quatro quartos, a área de serviço, a varanda e um quintal com goiabeiras e pinheiras. Consigo ocupar todos os espaços com meus pensamentos, poucos móveis e alguns objetos.

Na sala ainda tem um tapete de palha entre a TV e o sofá. Na parede oposta ao mural tem uma janela que pintei de verde água. Acho a parede mais bonita da casa. Hoje. Antes era a mais feia. Quando a janela está aberta consigo ver o pé de umbu e a serra lá atrás. A cor do céu sempre fica bonita nesse ângulo e quando o Sol está se pondo a visão chega a seu auge. O laranja muda a cor do cerrado. As árvores ficam amarelas, vivas. Contrastam com a cor da terra seca, amarela fosca.

Meu sofá também é legal. É um incrível sofá retrô. Herança das intalações montadas para abrigar os engenheiros e funcionários que construíram a barragem, na década de 1980. Hoje sou eu quem está sentada no sofá. Vinte e quatro anos depois da construção da barragem. Vinte e quatro anos depois de minha mãe me deixar sair de sua barriga e pular para o mundo. Curiosa, ansiosa por saber como eu seria. Como eu me transformaria. Como eu escolheria me constituir e evoluir.

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