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29 fevereiro 2012

Expedição Chapada – O Morro do Chapéu


Arrebol do Morrão, um dos pontos mais altos da Bahia


Zé Capoeira em sua roça de mamona - Povoado Icó - Morro do Chapéu

Por Vinicius Mimo
Chegar ao Morro é sempre muito intenso. Estamos na beira do sertão que se estende muito pra lá do São Francisco, no alto da cordilheira de ouro e diamantes que chega nas Minas Gerais. Inscrições rupestres rodeiam praticamente toda a cidade e a ação do homem deixa a incerteza se um dia elas estiveram onde agora há casas.

Deste dividir tempo e espaço na casa de nossos camaradas daqui resultam grandes aprendizados. Nas pequenas coisas muito mudou desde 2008 até hoje. Basta abrir a porta do quintal e observar a revoada de passarinhos e lagartos e o espanto das galinhas para perceber. E são as pequenas relações em meio às gigantescas formas de tantos bilhões de anos onde busco explicações para entender melhor como andam as coisas.

Na roça, no Velame, na vereda que leva o nome do bandeirante explorador, na Mônica, no Icó, na Chapada Velha, o que o agricultor mais espera é que chova mais um pouco até o final de março. Assim a chance de boa safra vai ser quase garantida. Se isso acontecer, um pouco mais de renda deve elevar o consumo.

Parece que não há grande segredo além do trabalho, dedicação e organização, na maior escala possível. No entanto, alguns atalhos, como a disseminação do serviço de perfuração de poços artesianos preocupam. Ainda que este fosse o principal problema. Engodos transformados em milagres econômicos, como a energia eólica, provocam insanidades. Empresas, políticos e outros interessados conseguem lotear um grande patrimônio natural.

Pelo novo brilho do falso diamante alguns avançam sobre o que antes garantia um abalado equilíbrio. Um espaço que traz um pouco da explicação do que é o homem e as verdadeiras razões que o fazem se mover ao longo do tempo. Após a recente tentativa do próprio governo do estado de extinguir este santuário, registrada por um decreto, o patrimônio resplandece sangrando. Aos olhos da esperteza internacional é uma grande mina.

Surpreendente é a rapidez com que alguns poucos vão definindo funções para um grande grupo, que pouco pode refletir a respeito da decisão.

24 fevereiro 2012

As águas do Rio Verde em Mirorós


Rio Verde transposto para o canal de irrigação. Com o rio seco, os produtores abastecem o canal com poços - solução e contradição

As águas desse rio são públicas, são da nação. Essas águas não têm documentos que garantam a uma empresa ou a um bairro em Irecê, o direito a essa água. Ou a toda Ibipiba, Ibititá ...e tantos outros municípios que hoje já se beneficiam dessa água.
E os que antes beberam dessa água cultivando alimentos para todo esse sertão, hoje se encontram em conflito, sem água nenhuma, lutando para plantar, perdendo animais de corte, vendo a seca exterminar os resquícios da flora e a fauna nativa. Jacaré, tartaruga, cromatá. Arroz vermelho e banana maçã. Das nascentes ao baixio, aqui se plantou a semente da melhor qualidade, que fez germinar nas terras de Irecê o feijão que deu nome à rodovia BA 142.

Promessas, promessas e descrença. Buscar o grito de independência e a solução imediata para esse problema é sim passível de tomar a todos, porque das soluções dadas, nada se resolveu. O poder público construiu a barragem de Mirorós, inundou comunidades, desocupou terras de centenas de famílias, para servir à perenização do Rio Verde, ao abastecimento dos centros urbanos e à modernização da agricultura.
Depois da barragem, o rio que corria por 70km e secava temporariamente por alguns quilômetros, já perto de desaguar no São Francisco, está seco desde o baixio do Mirorós, dois ou três quilômetros abaixo da barragem. A umidade do terreno, o alagadiço, o clima de oásis no sertão, tudo desapareceu, salinizando o solo, destruindo a fertilidade da terra.

A água que antes corria nos terrenos por tapagens coletivas, hoje é paga e é cara. Ainda assim, centenas de produtores seguem abastecendo o nordeste com um dos alimentos mais nutritivos e essenciais da base alimentar brasileira, com a produção de banana de alta qualidade.

A população de Mirorós tem menos direito a água? Se o povo daqui sempre fez dividir o que tinha. E ainda hoje o faz quando envia caminhões e caminhões de alimentos, diariamente, a diversos estados do País. Mas hoje a água vem dos poços, muitos pagos por arranjos de pequenos produtores, que podem ajudar nos períodos de seca extrema, como o que se vive hoje, mas claramente não são a solução.

Ainda há tempo para se reverter esse processo. A água é de direito de todos, é um patrimônio natural deste lugar, preservado durante séculos pela produtiva comunidade local. É preciso salvar o rio, levar ao baixio o que faz desse terreno fértil. Preparar a terra para as enchentes.

22 fevereiro 2012

Expedição Chapada - Memórias da Chapada Velha

Por Joana Latinoamericana


A Santa no poço da panela - Serras de Mirorós

De Mucugê, subimos rumo ao norte da Chapada Diamantina, pra cidade de Morro do Chapéu. Ambientados à vida no interior da Bahia, caímos de cabeça nos Trabalhos de Campo. Nossa equipe de dois conta sempre com apoios técnicos por onde passa nessa área, porque as pessoas aqui estão simplesmente dispostas a ajudar. Na camaradagem, Akira Ribeiro e sua família, abrem portas e janelas, na rua do Fogo, pra nos receber.

Meu Campo de pesquisa fica a oeste do Morro, a aproximados 180 km, em direção ao Rio São Francisco. Posso refazer esse caminho, légua a légua, por muitas e muitas vezes e ainda vou me admirar com cada pedra no caminho. Havia certa apreensão no ar pra chegada à Mirorós. A seca prolongada, os rumores da desativação do projeto de irrigação, o fim dos trabalhos no escritório da Assitência Técnica e Extensão Rural (Ater), me fizeram refletir muito sobre essa chegada, os contratempos do caminho e o tempo que cada ato leva para se realizar.


Rio Verde em fevereiro de 2012, povoado Mirorós - Por Joana Latinoamericana

Avisei da chegada a poucas pessoas de Mirorós, poucos dias antes de ir, reservei o quartinho na Fausta e fomos, carregando uma nuvem densa e preta, com relâmpagos e ventos. Chegamos com a chuva, que foi formando poças, fazendo do poeirão o barreiro, e despertando o rosa da flor do Mandacaru. Êta sertão lindo, bôa Chapada Velha!
Esse nome, Chapada Velha, tem muitos significados possíveis. Minha observação sobre isso é que outro nome não serviria. Esse canto é o que me parece preservar os maiores mistérios, as últimas dicas, sobre a composição da natureza no planeta. Em terreno tão árido, à beira de um dos principais veios de água do continente, a vida do homem da Chapada Velha foi demoradamente transformada ao longo dos últimos séculos, tão mais frenéticos em outras partes do planeta.
A memória do lugar é o tesouro que busco, ao lado de garimpeiros que sonham com diamantes, vaqueiros que caçam rebanhos e roceiros que oram pela chuva pra fazer plantar entre as pedras e o sertão. Aos poucos me percebo revirando um baú infinito de conhecimentos sobre a sobrevivência na terra.
Pra chegar mais fundo, alcançar as memórias mais antigas, aceito a noção de que em determinadas circunstâncias nem todas as funções estão disponíveis, o olfato se confunde, a visão é restrita, o tato fica trêmulo. A memória que se alcança é de velhos. Profundamente inspirada pela literatura científica de Ecléa Bosi, dou continuidade ao recolhimento da história oral, guiada pelas histórias que contam os velhos.
A primeira visita foi na casa de Dona Josefa, ali mesmo no Pulo do Bode, no fim da rua mais comprida de Mirorós. Reli o depoimento e Vinicius fez o registro audiovisual. A caminho dos 102 anos, a centenária escutava impressionada a repetição de suas palavras, que agora pareciam minhas, confirmando a história contada.


Vídeo com Dona Josefa, desculpem o corte no dente...

Depois fui à casa de Ilda, com quem repeti a mesma metodologia. Narrei a ela seu próprio depoimento e entre risadas e lágrimas, a memória foi recontada, reafirmada e corrigida para incluir os seis meses passados da última conversa. Muita memória tem essa moça, aos 68 anos. A chuva da noite e a garoa do dia parecia ter recém acalmado o coração dessa gente, que vê hoje um rio seco, onde antes brotava um mundo.


Dona Ilda

Noutro dia, subimos a serra, atrás das nascentes do velho Luiz da Água Quente. Foi que a cancela estava fechada e fomos mais acima, até o Lameirão. No povoado de casas antigas, caiadas de verde, azul, branco, rosa e terra, sentado embaixo do pé de árvore, observando os mais moços trabalhar, estava Luiz Dourado.
Fomos até uma das casas do povoado, de uma das filhas, e nos ajeitamos para a prosa. Câmera ligada, releitura entoada e – Ô de casa! Chega visita, atrás do cafezinho, iguaria preparada com a água de uma das principais nascentes do Rio Verde. Chega pra dentro o ex-prefeito de Ibipeba, município onde hoje é o Mirorós, e também de Irecê, principal centro econômico e comercial da região. Vendo o carro com placa de São Paulo, se admira com a câmera no tripé e sai logo interrogando quem é que está por detrás dessas direções.


Familia de Luiz Dourado no Lameirão

A visita se demorou um pouco e o tempo roubado nos forçou a ficar para o almoço. A comida da serra, cozida na lenha e cultivada em terras limpas de aditivos químicos e industrializados desperta sentidos muito vivos. Degustamos iguarias atrás de iguarias. Feijão, abobrinha, batata, tomates, bananinha, romã, tudo parecia exótico ao paladar de quem vive na cidade. Visitamos e tomamos as referências geográficas das nascentes, conhecemos os sistemas de distribuição da água no terreno e terminamos o dia no poço da panela, contemplando do alto da serra os picos rochosos que vimos se estender desde o sul da Bahia.

De então seguimos pro Gentio do Ouro, do outro lado do rio, onde ficava o Mirorós de antes. Na Gameleira do Assuará encontramos dona Nina, aos 93 anos, nos esperando ansiosamente, apoiada no alpendre do palacete do início do século passado. Ela viu a sede da cidade mudar-se de Santo Inácio para Gentio do Ouro e o Mirorós mudar pro lado de lá do Rio, até passar a pertencer a Ibipeba, antes dos tempos em que tudo ainda era Xique-xique. Ficamos na ante-sala de dona Nina, onde foram se aboletando outros moradores do povoado, vizinhos, representantes de associações e parentes, curiosos para saber qual era a novidade.


Gameleira do Assuruá

Deixamos as Serras do Assuruá e atravessamos para Santo Inácio, onde almoçamos com um João, que nos contou a história dos garimpeiros, que há séculos se aventuram pelas serras, da Bahia às Minas Gerais. Voltamos por Xique-xique, onde pedimos a benção do São Francisco, da imensidão das águas que cortam o sertão, para conseguirmos seguir com o Campo.


Rio São Francisco em Xique-Xique

15 fevereiro 2012

Expedição Chapada – A chegada e a diversão




Fotos: Flores do Sempre Viva, Vinicius - Centro Mucugê e Garimpo Sempre Viva, Joana

Rodamos de São Paulo a Mucugê e daí pra cima, as conexões foram outras, os olhos passaram a captar horizontes muito diferentes dos que nos costuma oferecer a cidade grande. É preciso respirar muito para trocar os ares do pulmão.

Diante o serro rochoso da Diamantina, a natureza revela de quais grandes falhas a natureza evoluiu e milhares de questões sobre a evolução das espécies na terra parecem aflorar. A vida do homem em cidades de pedras e barro desafia a lógica do concreto e o modo simples do povo conforta das pedras no chão. A existência acalorada busca no inverno das serras o frio de acima de mil metros de altitude em relação ao nível do mar.

A chegada por Mucugê é ideal para quem entende que chegar devagar em um território é se permitir receber e trocar muito, escutar, procurar a história do garimpo no Brasil, sua relação com dezenas de povos do mundo e a vida nas pedras. Para quem viaja, o turismo está bem servido com guias, pousadas, restaurantes e espaços culturais.

O projeto Sempre Viva, no caminho de Lençois e Palmeiras, foi o que escolhemos para conhecer, na ilustre companhia de Guta, Gabriel e Miguel, em férias na Bahia. No Poço Azul, flutuamos sobre as águas cristalinas que conservaram os ossos de uma preguiça gigante, que presa no fundo de uma caverna, por ali ficara para se preservar.

Hospedados na Pé de Serra, que aproveita os contornos das pedras em sua arquitetura, a sensação de habitar as casas de antes, com as tecnologias de hoje nos fazem viajar longe sobre a evolução de costumes e a valoração de determinados consumos.
Dali, seguimos em família para o Vale do Capão, pela estrada que passa pelo povoado da Guiné, que tem em suas beiradas as escarpas do Espinhaço e a mata da caatinga. As visitas ficaram, e partimos para nossos focos, nossos campos. Morro do Chapéu e Mirorós, Chapada Norte e Chapada Velha.


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