Páginas

10 outubro 2012

Zé Dirceu: um vilão para a nossa DEMOcracia

O político José Dirceu povoa a imaginação do povo brasileiro. Algumas, baseadas em fatos midiáticos, concluem a composição de um homem duplo. Velho que já foi jovem, ladrão que pregou honestidade. Condenado pela ditadura e pela democracia. Minha mente acrescenta às coisas da TV alguns fatos de dia a dia, de uma memória que assume esquecimentos e criações. Para mim, ele é pessoa que sempre se envolve, faz, aparece. Pessoa rara. É como o Dirceu do grego, o Forte.

No meu primeiro ano de vida, mudei com pai, mãe e irmã para Cuba, por um período curto, porém definitivo. Quem iria pra esse lugar tão temido? Longe de vovôs e vovós, da família numerosa de tios e primos, vivemos na ilha. Nesse tempo, Dirceu apareceu trazendo notícias do Brasil.

Na infância, na Vila Mariana, no caminho para o colégio eu passava todos os dias em frente ao predinho de esquina onde Dirceu morava. Nessa época, meus pais se relacionavam profissionalmente e fraternamente com o Zé. Frequentemente ele aparecia nas festinhas de aniversário lá de casa, que serviram inúmeras vezes de encontros da esquerda recém espancada e torturada, que no final da década de 80 se libertava a caminho da maturidade.

Eu já havia mudado pros lados do Paraíso, e ele para os da 23 de maio, quando o procurei para fazer o trabalho de português do colegial. Apresentei uma entrevista com Dirceu para as páginas amarelas da minha versão pessoal da revista Veja, e eu e minha colega Bárbara fomos bem mal avaliadas pela professora de português. O conteúdo da entrevista pouco importou, diante da falta de criatividade para os anúncios publicitários.

Página do trabalho da disciplina de Português, 1998

O escritório dele ficava numa casinha na Vila Mariana em uma época em que o bairro era mais simples e as coisas não precisavam ser ostensivas. Acho que nessa época ele já não era casado com a Ângela e não vivia mais com sua filha Joana. Creio que eles se separaram no mesmo período em que meus pais.

Nesse tempo, da minha adolescência, alguma coisa mudou. Meu pai já não trabalhava mais com Dirceu, as festinhas de criança na garagem já não atraíam ex-militantes, então deputados, e de um piscar de olhos aquele homem virou o comandante do País, ao lado do Lula, que da mesma forma cruzou pela minha vida, em Cuba, na primeira, na segunda, na terceira infância, na adolescência.

Há menos tempo, entrei em contato com sua fiel escudeira e secretária de décadas, pedindo uma entrevista para o CQC. Ela foi solícita, como na época do colegial, mas eu mesma não quis continuar a prosa. Pra que é que eu vou jogar o cara na fogueira? Pra mostrar pro diretor que eu tenho meus contatos! Deixa quieto, vou mesmo pra Bahia.

Dirceu faz parte da minha composição racional e pessoal. Bora pro sertão organizar trabalhadores e tentar mudar o sistema usurpador de camponeses? Vamos! Pessoas como pai, mãe, dirceus e luíses fizeram, por que não vou fazer? Bora deixar SP com a burguesia e mudar pra Bahia com um filho no bucho, tentar mudar o mundo? Claro! Pai, mãe, dirceus e luíses fizeram, por que não vou fazer?

Se hoje eu me indigno com a pobreza, com a exploração do trabalhador, com a imprensa falsa, com a televisão que manipula, com a saúde e com a educação que só existem pra quem tem grana, é porque aprendi com esses caras, pai, mãe, dirceus e luíses. Torturados em suas juventudes, física e psicologicamente, são ainda hoje ameaçados pelo poder dominante.

E como me explicou ainda esses dias meu pai, o poder dominante só pode ser um, não há espaço pra dois, e o caminho é na direção do contra-poder. A semente desse contra-poder foi plantada, mas seus plantadores são até hoje condenados. Resta às gerações seguintes cultivar o que conseguiu ser germinado.

Ainda está cedo e a história não está dada. Tenho esperanças de responder ao meu filho sobre quem foi José Dirceu da seguinte maneira: um dos muitos heróis que brotaram no tempo místico que foi a década de 1960, perseguido político, torturado e condenado, mas que como homem forte, nunca desistiu.

09 outubro 2012

Algumas urnas no sertão da Bahia, uma urna na Vila Mariana em São Paulo

Ver o destino da Chapada Diamantina ser decidido por vinte ou mil votos me dá uma vontade inquietante de estar em São Paulo para o fale agora ou cale-se para sempre, que é o segundo turno. Vejo-o como a conquista do divórcio em tempos de casamento arranjado. Estou a ponto de organizar uma vaquinha pra estar presente diante de minha urna abandonada na Vila Mariana, que tanto me estimulou a sair correndo de meu torrão natal e escolher a Bahia pra ser berço do meu futuro.- A Chapada do Pai Inácio
Por aqui, em Irecê, o candidato à reeleição Zé das Virgens, do Partido dos Trabalhadores (PT) não conseguiu o segundo mandato. A prefeitura do maior colégio eleitoral da grande região Chapada Diamantina passa a Luizinho Sobral, do Partido “da vassourinha” Trabalhista Nacional (PTN), junto com a falência de seu solo, a crise da água e promessas de transposição do São Francisco para irrigação e consumo compulsivo de água. - Das Virgens e Sobral
Ainda ao norte do território, em Morro do Chapéu as eleições terminaram com a diferença de 20 votos e a reeleição do atual prefeito, Cleová, do Partido Social Democrático (PSD). Conhecido na oposição como bicheiro caolho, conseguiu entoar o “É cinco, é cinco, é cinquenta e cinco” pra uma família a mais na cidade e manteve-se no cargo. Foram 8.226 confirma, contra 8.206 de Leo Dourado, da coligação Partido Popular – Democratas (PP-DEM).- Cleová caolho
Em Ibipeba só tinha pra um. Com 100% dos votos válidos, o candidato único Israel 11, do PP, levou pra casa a gerência de um município que vive a epidemia da seca e a desertificação, a falência de um projeto caríssimo de irrigação e a migração de sua população. O doutorzinho teve apenas que enfrentar uma campanha cívica pelo voto nulo, sem projeto político ou direcionamento forte, com 11,11% de votos. - Israel 11
Centro turístico de população flutuante, Lençois derrubou o “Marcão é dez, na cabeça e no coração”. “Honesto, justo e verdadeiro”, não conseguiu convencer a população votante que o viu algemado pela Polícia Federal. Entra a boa e prestativa enfermeira Moema, com o 55 do PSD. Na cidade com pouco mais de sete mil eleitores, pouco menos de um mil garantiram a colocação fácil de uma candidata vista como fantoche de velhas oligarquias. - Marcão em Ação da Polícia Federal
O município de Palmeiras enfeitou-se para festejar o prefeito eleito, colocando bandeirolas nas janelas e botando “pra pocar” a população ao som do trio elétrico. Didinho, da mega-coligação PPS-PRB/PP/PDT/PPS/PSB/PV/PSDB/P..., no menor entre os colégios eleitorais da Chapada Diamantina citados no texto, distanciou-se do segundo colocado por mais de 800 votos. - Resultado das eleições na zona eleitoral onde está inserida a Vila Mariana
Não votei nessa eleição. Meu título ainda está em São Paulo, assim como meu vínculo trabalhista, minha família, muitas de minhas raízes. Aqui, meus votos seriam na contramão de todos esses resultados. Algumas de minhas posições não chegariam sequer ao segundo colocado e se juntariam a grupos de 100, 200 pessoas em algumas dessas cidades. Por isso mesmo, por ver como o destino de um povo inteiro pode sim ser decidido por vinte ou mil votos, me volta o desejo de estar no caos que me desencorajou de São Paulo e me mandou pra esse sertão!