Páginas

11 janeiro 2011

Cratera do metrô completa 4 anos, sem punições


Fui chamada para fazer um trabalho sobre a cratera do metrô. O trabalho ficou parado nos arquivos, mas na minha memória ficou latente a impunidade. Relatórios técnicos apontam os culpados: o Governo do Estado e as construtoras. Mas até hoje, 4 anos após o acidente, ninguém foi julgado, nenhuma medida foi tomada, e os assassinos de 7 cidadãos seguem livres, alcançando a reeleição e novos contratos milhonários.

Recordar é viver. Assim, segue um texto que resume todas as informações a que tive acesso para realizar um trabalho censurado pelo "ano de eleições em SP":

Às 14:55 de 12 de janeiro de 2007, um buraco de 80 metros de largura e 30 metros de profundidade se abriu no coração de São Paulo engolindo casas, veículos e pessoas. Em questão de minutos, as obras da estação Pinheiros da futura Linha 4 do metrô de São Paulo ruíram. Os funcionários que se encontravam a mais de trinta metros de profundidade nos túneis da construção conseguiram escapar à tempo. No entanto, um motorista da obra e seis cidadãos comuns não tiveram a mesma sorte.

Enquanto o desmoronamento começava, operários pulavam o muro para fugir do canteiro de obras. Um microônibus com parada na Rua Capri, seguiu viagem sem saber o que acontecia no subterrâneo abaixo. Nenhum alerta foi dado. Os operários invadiram as ruas gritando para que as pessoas corressem. Uma nuvem de poeira tomou o lugar e o frentista Israel Domiciano, 28, viu o evento engolir o microônibus que tentava alcançar.

A televisão acompanhou o resgate de corpos, o trabalho dos bombeiros e o desespero de familiares das vítimas. Em meio à confusão, José Serra visitou o canteiro e declarou que “a obra ainda será entregue no prazo estipulado, o primeiro semestre de 2009". Denúncias de problemas anteriores surgem de todos os lugares. Meses antes, os moradores da região já haviam reclamado de rachaduras em suas casas. “Já havíamos levado à justiça denúncias anônimas de operários sobre irregularidades na obra”, fala Flávio Montesinos Godói, ex-presidente Sindicato dos Metroviários.

O caso parece esquecido, mas agora que Geraldo Alckmin garantiu mais quatro anos de governo em São Paulo, deve ter que lidar novamente com as obras do metrô, que sob sua gestão iniciaram o caos dos transportes sobre trilhos paulista. O metrô do futuro, classe A, começou a funcionar em uma área nobre de São Paulo, ligando a Avenida da Consolação a Avenida Faria Lima. Uma inauguração, pré-eleição, de José Serra: Linha 4 Amarela. Mas o candidato à Presidência não conseguiu solucionar os nós do incidente que matou pessoas e que envolve o Governo do Estado e as maiores Construtoras do País.

A Linha 4- Amarela foi concebida sobre um plano de privatização, resultado da primeira e mal sucedida Parceria Público-Privada (PPP) contratada no Brasil , sob o comando do Governo do Estado de São Paulo. A Amarela era pensada desde 1950, mas suas obras somente tiveram início trinta anos depois. O sistema deveria ter começado a atender a população em 2007. E o trecho inaugurado às vésperas das eleições em 2010, funciona com apenas cinco dos 14 trens previstos em contrato. Totalmente pronta, a linha teria 12,8 quilômetros de extensão e 11 estações, ligando a Estação da Luz, no centro da cidade, ao bairro de Vila Sônia, na zona Oeste.

O trabalho completo ficará para 2014. Trinta anos de atraso político para articulação de uma linha com pouco mais de 10 quilômetros não aceleraram o processo construtivo. Depois de seis anos do início da obra o serviço só deverá ser entregue daqui há quatro anos. São menos de 13 quilômetros em 40 anos.

O Governo promete entregar a estação Pinheiros ainda em 2010, antes mesmo de responder à sociedade, por “um dos maiores acidentes urbanos da história da construção civil brasileira.” A frase é do engenheiro Paulo Helene, Professor e Presidente da Associação Latinoamericana de Controle de Qualidade, Patologia e Recuperação de contruções (ALCONPAT Internacional). Mesmo assim, o Estado continua a permitir que o mesmo consórcio de construtoras, responsável direto pelo desabamento e morte de sete pessoas, continue o trabalho.

Até hoje as construtoras não foram julgadas. Em um processo mais acelerado está o criminal, onde onze engenheiros, um geólogo e um gerente de produção estão sendo julgados. Mas o incidente ainda foi investigado pela Promotoria de Patrimônio Público e Social do Ministério Público Estadual. O Promotor Saad Mazloum é o responsável pelo encaminhamento e em 30 de março deste ano acusou o Consórcio Via Amarela por responsabilidade civil pelo desabamento nas obras da Linha 4. Ação Civil Pública pede que os responsáveis pelas obras onde ocorreu o acidente sejam obrigados a pagar indenização por danos morais e materiais que somam R$ 239,8 milhões.

O Ministério Público responsabiliza, com base na lei de Improbidade Administrativa, seis pessoas (Luiz Carlos Frayze David, Marco Antonio Buoncompagno, José Roberto Leite Ribeiro, Cyrio Guimarães Mourão Filho, Jaelson Antonio Sayeg de Siqueira e German Freiberg). Além destes as empresas Consórcio Via Amarela, CBPO Construtora, OAS, Construtora Queiroz Galvão, Construções Camargo Corrêa, Construtora Andrade Gutierrez e Alstom Transport, também são apontadas na ação.

Mazloum investiga corrupção e improbidade e aponta como causa da tragédia a contenção de gastos na execução da obra. À página 5 da petição elaborada pelo promotor registra-se a "ganância" dos acusados. À página 60, acentua: "Tragédia anunciada, incúria, omissão, irresponsabilidade dos agentes do Metrô". À página 66, ele anota que os R$ 238 milhões correspondem a 1,5% das receitas anuais das empreiteiras do consórcio que, segundo seu levantamento, arrecadam R$ 15 bilhões por ano.

À página 29, Mazloum acusa os empreiteiros de "aumentarem os lucros com a redução dos custos". Para ele, "a economia feita, de material, estudos e análises, foi preponderante para o desabamento". Ele sustenta ainda que os empreiteiros, em busca de "ganhos opulentos" são os responsáveis pela cratera de 2,2 mil metros quadrados. Finalizando, o promotor de Justiça, defende que o desabamento aconteceu "com a mais plena omissão e desprezo de agentes do Metrô", colocando a questão sob responsabilidade do Estado. Os R$ 238 milhões foram calculados com base no contrato — R$ 740 milhões — entre o Metrô e o consórcio. Representam cerca de 30% do desse valor.

A ação também pede ressarcimento ao erário do valor do contrato entre o Metrô e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ou R$ 6,5 milhões. O promotor também aponta ato de improbidade por parte do Estado que, segundo ele, está caracterizado na contratação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) - o Metrô contratou o instituto por R$ 5,5 milhões, valor acrescido de R$ 1 milhão a título de aditamento.

Na época em que o IPT foi contratado, José Serra defendeu a contratação de apenas uma instituição para realização da perícia, inteirando a credibilidade do IPT. O Presidente do Instituto era Vahan Agopyan, substituído antes da conclusão do estudo por João Fernando, que ocupa o cargo até hoje. Já o presidente do conselho, já na época da contratação e assinatura dos laudos, era Alberto Goldman, atual Governador de São Paulo, que assumiu a cadeira no lugar de José Serra, derrotado nas eleições presidenciais deste ano.

Provas do crime

Os Autos do Processo 442/07 são conhecidos dos funcionários da 1ª Vara Criminal no Fórum de Pinheiros. Peça tranqüilo um dos volumes do processo e receberá em resposta um desconfiado “por parte de quem”? Se a resposta for Arnaldo Rossepian, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, o dado é checado e se confirmado é possível sentar junto com os funcionários, bisbilhotar o imenso processo encontrar depoimentos como o de Israel, que corria atrás da Van.

O casal, Sebastião e Kátia, assim como Israel, estavam na rua e viram o acidente. Nos depoimentos à polícia, o momento, o estrondo, a rua desabar e o desespero do momento. Os relatos das testemunhas, registrados em Boletins de Ocorrência, dividem espaço com os depoimentos de funcionários do Metrô, engenheiros do Consórcio, Secretários do Governo e da Prefeitura. O processo reúne centenas de pessoas.

Uma página importante é a que aponta que antes do acidente, os engenheiros já tinham sinais claros de que a obra estava em risco e haviam colocado uma série de recalques, vigas de sustentação destinadas a conter o terreno. Na quinta-feira, 11 de janeiro, os engenheiros do Consórcio haviam se reunido. A situação na obra parecia crítica. O solo, que vinha cedendo muito mais do que o esperado desde o início da obra, estava comprometendo a estrutura dos túneis. A solução encontrada foi colocar 270 recalques no túnel ameaçado. No mesmo dia foram abertos os buracos para colocar as vigas, no entanto, na obra só haviam 30 delas. As demais foram encomendadas, porém os trabalhos continuaram sem o reforço necessário.

Os depoimentos ainda apontam que a fiscalização da obra, por parte do Estado, na figura do Metrô, era deficiente. Juristas colaboraram como consultores, esclarecendo a falta de fiscalização: O contrato firmado entre o governo e o Consórcio fazia com que a fiscalização prioritária fosse do próprio Consórcio. Com outro tipo de fiscalização, a obra poderia ter sido parada antes do acidente. O Consórcio receberia um bônus milionário se terminasse a obra antes do prazo.

Outra constatação, apontada por Arnaldo Hossepian Junior, promotor público criminal, esclarece que nas semanas que antecederam o acidente, as obras, na verdade haviam sido aceleradas em 70%, a despeito dos problemas no terreno. E que no dia 12 de janeiro, mesmo sem ter terminado a colocação do reforço do terreno, e tentando acelerar a obra, os encarregados pela construção decidiram iniciar uma fase critica das explosões: os últimos 3 metros que separavam o túnel do metrô do túnel da estação. Essa explosão comprometeu definitivamente o terreno, que cairia horas depois.

Engenheiros e técnicos do IPT não puderam ser consultados pela mídia, por ordem da Secretaria deComunicação do Governo do Estado. No entanto, ainda nas páginas do Processo do Ministério Público, encontram-se depoimentos afirmando a falta de fiscalização por parte do Metrô.
Apenas em junho de 2008, o IPT divulgou suas conclusões sobre o caso. O relatório, descreve em vídeo (assita o vídeo) o acidente e e aponta uma séria de problemas que foram ignorados, como economia na qualidade do material em diversos momentos e uma aceleração vertiginosa dos trabalhos e quantidade de explosões na semana anterior à queda. O acidente completará quatro anos em 12 de janeiro de 2011 e até hoje, nenhum acusado foi julgado.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  2. Você deveria falar quem foi o censor... o governo do estado? Quem te contratou?

    Luis Fernando A. Telles

    ResponderExcluir
  3. Caro Luis, nem tudo que levantei pode ser publicado abertamente, é uma pena. Respeito o direito das pessoas que me concederam entrevistas para uma finalidade específica, que não esta. Mas o que está aí já mostra que o buraco vai ainda mais pra baixo dos 80 metros que vimos na TV e chega ao Alberto Goldman, ao Geraldo Alckmin e as construtoras da obra.
    O censor... sou peixe pequeno, não sei como foram feitas as negociações. Sei que fiz meu trabalho, e este foi engavetado.
    Obrigada pela participação

    ResponderExcluir
  4. Parabéns pelo trabalho. Não me interessa quem te contou. Sou cidadã consciente, acompanhei o horror das maracutaias, do desprezo pela população, das falas cínicas das autoridades candidatáveis da época e o pior, da tragédia das famílias que buscavam seus entes queridos e eram tratadas com a arrogância perversa do poder político e econômico cujos nomes aparecem em seu texto. Me orgulho de você. Rosa Maria Crivelente Horta

    ResponderExcluir